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Por Frederico Meyer

 

É importante iniciar o texto com uma afirmação óbvia: quando se fala de Estado, o sigilo é exceção. Os atos do Poder Público são, em sua ampla maioria, públicos. Isto, aliás, é imperativo do regime democrático.

Secretismo, afinal, só se coaduna com regimes ditatoriais, os quais não prestam, por sua natureza, contas à população.

No Brasil, o ordenamento jurídico consagra a publicidade dos atos públicos (está expressamente elencada no caput do artigo 37 da Constituição da República) como um princípio primordial do regime jurídico administrativo. A publicidade dos atos, então, está correlacionada à sua própria legitimidade. O controle exercido pela população, com o auxílio da imprensa (a liberdade de imprensa também é pilar de um regime que pretenda ser democrático), confere ao ato de poder mais robusta legitimidade.

É o cidadão, enfim, que acaba por ser o destinatário (ainda que indireto) dos atos do Estado; daí a Constituição prever no artigo 5º, inciso XXXIII, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

A Lei de Acesso à Informação (LAI) brasileira apenas foi promulgada em 2011 (lei nº 12.527), conferindo efetividade à norma acima transcrita. Apesar de ser bem nova a nossa lei, a transparência dos atos do Poder Público é um fenômeno relativamente recente: a maior parte das leis semelhantes de países desenvolvidos data do pós-guerra (EUA em 1966; Dinamarca em 1970, dentre outros), com diversos países elaborando suas normas já no século XXI. A notável exceção é a Suécia, que tem a mais antiga lei de transparência, datada de 1776 (!).

Na lei brasileira, as diretrizes previstas no artigo 3º trazem o que foi dito no início deste texto (“observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”), além de relevantes preceitos como “divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações” e “fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública”, além, é claro, de “desenvolvimento do controle social da administração pública”.

Percebe-se, logo, a relação intrínseca entre transparência/publicidade e controle social, corroborando o que já foi dito em linhas pretéritas.

No plano prático, portanto, o conhecimento público de contratações feitas pela Administração, por exemplo, é essencial e inafastável: deve o cidadão saber se um dado órgão do Estado (qualquer que seja o ente federativo ou suas entidades, destaque-se) comprou vinhos e espumantes; se adquiriu carros de luxo para compor sua frota; se contratou serviços médicos meramente estéticos; se os servidores do mencionado órgão viajam em voos comerciais e em que classe o fazem.

Os exemplos dados estão todos relacionados à contratação, mas a publicidade, como visto, gira em torno de quaisquer atos administrativos. A agenda de uma autoridade política, nesse sentido, deve ser pública; o espírito é o mesmo: encontros secretos de uma autoridade não se coadunam com o regime democrático.

Infelizmente, têm-se visto abusos com relação ao caráter sigiloso imposto aos dados de atos praticados pela Administração e seus agentes. Com frequência, a imprensa divulga que determinada questão teve sigilo decretado pelo Estado, às vezes de cem anos. Isto mesmo, um século de sigilo.

Como as normas contêm preceitos de indeterminação semântica, o Estado abusa de expressões como “soberania nacional”, “segurança das instituições ou de autoridades” ou, claro, diz que os dados se referem à “intimidade e vida privada” de pessoas (recomendo a leitura neste site dos diversos textos relativos à LGPD escritos ao longo do tempo por advogados do LM).

Em algumas situações, parece que há um propósito de evitar o escrutínio dos cidadãos (e da imprensa) e até mesmo de órgãos de controle estatais. Segundo já afirmado, afinal de contas, é próprio da democracia que a agenda de um ministro de Estado seja pública.

Da mesma maneira, gastos em cartões corporativos, sempre escondidos sob o manto do sigilo, merecem devassa. A pergunta que se faz é singela: tem o cidadão o direito de saber se pagou (porque é ele quem custeia o Estado, nunca é demais lembrar) coisas supérfluas para os usuários de cartão corporativo? A resposta tem de ser, invariavelmente, positiva.

Concluindo, repete-se a constatação óbvia feita no início: o sigilo é excepcional, sempre. A coisa pública (res publica) tem de estar sempre de portas e janelas abertas para os cidadãos. O retrocesso quanto à transparência dos atos de poder nos distancia do modelo democrático e republicano que tanto almejamos e que escolhemos em 1988 com a Constituição.