por Filipe Denki
O assunto mais comentado no mercado financeiro nas últimas semanas foi o rombo de R$ 20 bilhões da Americanas, anunciada pelo seu então presidente, Sérgio Rial, que logo após seu pronunciamento renunciou ao cargo que ocupou por apenas 10 dias.
Após a bomba estourar muitos analistas se perguntaram: com um rombo desse tamanho será que as Americanas pedirão recuperação judicial?
A resposta veio dois dias depois (13/01). O grupo empresarial da qual a Americanas faz parte, por meio de seus advogados, apresentaram pedido tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória de processo de recuperação judicial (processo: 0803087-20.2023.8.19.0001) distribuído para a 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro obtendo liminar suspendendo quaisquer medidas de constrição (bloqueio) de valores e bens das empresas.
Segundo seus advogados, apesar das distorções contábeis denunciadas recentemente, a Americanas, “encontra-se em uma situação de adequada saúde financeira e de caixa, mantendo em dia sua extensa folha salarial, obrigações perante fornecedores, instituições financeiras e pagamento de tributos (o que totaliza, anualmente, o montante de cerca R$ 2 bilhões), além de gerar mais de 100 (cem) mil empregos diretos e indiretos”.
Ainda de acordo com seus advogados, “embora existam negociações em andamento, a medida cautelar ora requerida era indispensável, considerando (i) a magnitude das operações do Grupo Americanas espalhadas por todo o País; (ii) o iminente risco de os credores provocarem o vencimento antecipado de, aproximadamente, R$ 40 bilhões em dívida e a consequente corrida atrás do caixa e demais ativos de um grupo empresarial sólido e próspero; (iii) a dificuldade de se obter em curto prazo um acordo com todos os seus credores relevantes para que não adotem tais medidas”.
Pior do que inicialmente noticiado, o rombo das Americanas é de aproximadamente R$ 40 bilhões de reais, e em sendo confirmado, esse valor a coloca entre as 5 maiores recuperações judiciais do país.
A Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e Recuperação Judicial – LFRE) estabelece duas hipóteses de antecipação dos efeitos do processo de recuperação judicial, a primeira hipótese é a utilizada pelos advogados das Americanas, via tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória de recuperação judicial (art. 6º, §12 da LFRE) e a outra é via tutela de urgência em pedido de negociação antecedente (art. 20-B, §6º da LFRE).
No caso da tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória de recuperação judicial, caso o empresário ou sociedade empresária demonstrar evidente a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo obterá a antecipação dos efeitos da recuperação judicial destacadamente a proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais.
Uma vez efetivada a tutela cautelar requerida, ou seja, após a concessão da liminar obtida pelo Grupo Americanas está tinha o prazo de 30 dias para ingressar com o pedido de recuperação judicial.
Entretanto, como o BTG Pactual obteve liminar para bloquear R$ 1,2 bilhão (Processo nº 006035-65.2023.8.19.0001), além da enxurrada de outras medidas intentadas por outros credores, o Grupo Americanas tiveram que antecipar seu pedido de recuperação judicial que ocorreu na última quinta (19/01).
A segunda hipótese de antecipação dos efeitos da recuperação judicial prevista em nossa legislação é através da negociação de dívidas antecedente, neste caso, o empresário ou sociedade empresária que instaurar o procedimento de mediação ou conciliação no local competente poderá obter tutela de urgência cautelar para suspender pelo prazo de 60 dias, qualquer constrição e bloqueio de bens e dinheiro.
Por sua vez a recuperação judicial é um mecanismo previsto em lei, que visa auxiliar uma empresa devedora viável em dificuldade econômico-financeira a renegociar seu passivo, auxiliando-a em seu soerguimento.
Em que pese a bomba ter estourado há poucos dias atrás, na última quarta-feira (11.01.2023), várias polêmicas já pairam o assunto, a primeira mais óbvia; como um rombo de R$ 20 bilhões era desconhecido?; o presidente Sérgio Rial sabia ou não sabia do rombo?; investidores que ganharam muito dinheiro com a queda das ações, o que sugere o vazamento da informação antes do fato relevante divulgado pela própria Americanas; fraude confessada; atuação de auditorias externas postas em cheque, como o caso da PWC auditora das Americanas; a própria obtenção de liminar em tempo recorde obtida em segredo de justiça, num caso com tantos envolvidos; entre outros.
O rombo financeiro das Americanas pode se tratar de um dos maiores escândalos financeiros da história do Brasil, a novela só está começando, aguardemos os próximos capítulos.
Filipe Denki – Sócio do Lara Martins Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Especialista em Direito e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Especialista em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera. Formação Executiva em Turnaround Management pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ex-Presidente da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB/GO (triênio 2019/2021). Diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB (triênio 2022/2024). Diretor do Instituto Brasileiro de Direito da Empresa – IBDE. Membro dos institutos de insolvência empresarial TMA, IBAJUD, INSOL e IBR. Professor de Direito da Insolvência na Escola Superior da Advocacia – OAB/GO e na Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Coordenador do Curso de Formação de Administradores Judiciais da ESMEG. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás – CAM/ACIEG e do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Árbitro e Coordenador do Núcleo de Reestruturação e Insolvência Empresarial da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada – CAMES. Membro do Comitê de M&A e Reestruturação de Empresas da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB. Palestrante em diversos eventos e autor de artigos e livros sobre a área de insolvência.