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Por Frederico Meyer*

 

Vivemos hoje, sem dúvida, uma verdadeira revolução digital. O fluxo de informações é assombroso; todos têm a possibilidade de opinar sobre os mais diversos assuntos.

Por tal motivo, a liberdade de expressão nunca esteve tão “na moda”. Qualquer que seja o conteúdo, o interlocutor sempre se ampara atualmente nesta liberdade quando questionada sua manifestação (seja ela uma piada, um comentário político, etc.).

Então, surgem intensos debates sobre o tema. Falam-se em projetos de lei para a regulamentação da mídia ou regulação das redes sociais; vê-se grande judicialização sobre comentários e falas em posts feitos por todo tipo de pessoa, pública ou anônima, autoridade política relevante ou subcelebridade no gozo de seus quinze minutos de fama.

Por se tratar de assunto complexo e repleto de nuances, é impossível, neste espaço, ir a fundo. Alguns breves comentários, porém, podem auxiliar sua compreensão.

Antes de mais nada, é preciso [re]afirmar algo essencial às democracias liberais modernas: a tolerância mútua como motriz da convivência pacífica no seio da sociedade.

A liberdade de expressão, portanto, também atinge o outro. O direito de falar traz o dever de ouvir (na verdade, o dever de se tolerar que se diga). Contrapostas que sejam as falas, elas convivem no espaço público das mídias sociais.

A consideração do indivíduo como um fim em si mesmo – inerente à dignidade da pessoa humana e amparada também na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19) – é que o dá corpo à liberdade de manifestar o que se pensa.

Sob uma ótica coletiva, surge a ideia de um “livre mercado de ideias”, que promove um ambiente de críticas às ideias ali postas e, consequentemente, de falibilidade de certas manifestações.

Novamente, pois, voltamos à concepção de tolerância enquanto premissa do próprio jogo democrático. O suporte à liberdade de expressão sustenta, em último grau, a democracia. Optamos, afinal, em 1988, por uma democracia liberal nos moldes de países da Europa continental.

Poder se manifestar livremente também tem amparo indireto no art. 1º, inciso V, de nossa Constituição; um dos fundamentos da república é, precisamente, o pluralismo político.

Apesar de ter sido usado o adjetivo “político”, a expressão é vista como ampla. Não se refere apenas a posições ou preferências político-partidárias ou ideológicas. O pluralismo estatui verdadeiro direito à diferença em quaisquer searas da vida. Sejam escolhas de natureza política propriamente dita, sejam de caráter cultural ou religioso, por exemplo, uma sociedade que se pretende plural valoriza e protege a diferença.

Ora, nada mais contrário que tal pluralismo a imagem de verdades absolutas, erigidas como tal, no espaço público, impedindo-se falas dissonantes.

No Brasil ainda estamos diante da construção do edifício jurisprudencial e normativo protetivo da liberdade. Há inúmeras decisões relevantes do STF (e de outras Cortes do país), por exemplo: a) a permissão das chamadas biografias não autorizadas; b) a proteção de sátiras, esquetes e tiras de humor e do jornalismo de humor, que ridicularizam figuras políticas proeminentes; c) a proteção a obras controversas que questionam valores e crenças religiosos, como o famoso filme da Porta dos Fundos feito para a Netflix; dentre tantos outros.

Expostas brevemente as premissas acima, há de se repudiar qualquer tentativa de censura prévia, estatal ou privada. A eventual criação de um órgão ou entidade estatal que figure como agente controlador e regulador de mídias sociais é, sob este prisma, evidentemente inconstitucional. Sob o pretexto de controle, passaria a exercer censura e a remover conteúdos e, quiçá, punir os considerados infratores.

Também as Big Techs (grandes empresas de tecnologia, criadoras das redes sociais mais usadas) têm de evitar a remoção de conteúdos (obviamente desde que não claramente criminosos) de forma imediata e reativa. A sinalização da informação (inclusive como potencialmente falsa/mentirosa), como feita em período eleitoral e em tempos pandêmicos, já permite indicar a relevância da fala em debate.

O “controle social da mídia” (colocado aqui apenas para usar uma expressão em voga), então, é um controle espontâneo feito coletivamente pelos usuários do serviço. Qualquer acepção fora disso parece dar margem à censura.

Para finalizar, deve ser destacada a importância da imprensa e das agências de checagem (fact-checking). Tais ferramentas, também essenciais à democracia, auxiliam o cidadão a verificar cada informação que a ele chega, e a apreciá-la de forma crítica. Crucial o papel da imprensa, portanto, em ajudar a eliminar informações falsas e imprecisas do debate público.

 

*Por ser Procurador do Estado, o autor encontra-se impedido de exercer a advocacia contra a Fazenda Pública do Estado de Goiás.