Por Frederico Meyer
Piscamos os olhos e estamos novamente em ano eleitoral. Ainda ‘’ontem’’ estávamos preocupados com as eleições municipais de 2020, com todas as incertezas trazidas pela pandemia da COVID-19 (na época, com números assustadores relativos à hospitalização e com as vacinas em horizonte distante). Agora, em 2022, é a vez de escolher, dentre outros, os governadores e o presidente da república. Em 2024, novamente, escolheremos os prefeitos e vereadores.
A legislação brasileira tem extensa lista de proibições relativas ao período eleitoral. Na verdade, são em regra proibições de abuso do poder político e econômico, dirigidas a todos os agentes públicos/servidores, não só aos mandatários eleitos. Algumas delas, aliás, são perenes e não estão atreladas especificamente ao momento eleitoral.
Algumas das proibições são óbvias – apesar de por vezes violadas por candidatos -, como o uso de imóvel público para reunir pretensos eleitores e pedir votos. Basta pensar em um anfiteatro, ginásio/arena ou mesmo uma escola municipal usada pelos detentores do poder político local (ou por seus apoiadores) em evento cujo único intuito seja promover campanha(s) eleitoral(ais).
Todavia, há outras proibições menos óbvias e que trazem, de certa forma, um desafio para o gestor público. As regras aqui tratadas, é bom dizer, são essenciais para o caráter “limpo” das eleições e, claro, para o regular funcionamento da democracia. Elas prezam a igualdade entre os candidatos e evitam que haja o abuso, usando-se da máquina pública para fins eleitoreiros, por parte de quem está em esfera de poder.
Uma regra de impedimento muito noticiada na imprensa diz respeito a concursos públicos. Frequentemente, fala-se – equivocadamente, como será visto – em não se poder fazer concursos públicos em período eleitoral. O que o Código Eleitoral prescreve (art. 73, inciso V) é a vedação de nomeação/contratação e de remoção/transferência de servidores nos três meses que antecedem o pleito eleitoral e até a posse dos eleitos. A realização de concursos públicos não possui nenhuma proibição imposta. E, como exceção à proibição, caso um certame tenha sido homologado antes destes três meses que antecedem a votação, é absolutamente possível a nomeação e posse dos aprovados. Portanto, a homologação de um concurso em janeiro do ano eleitoral não impede, por esta norma, a convocação dos candidatos no mês anterior à votação, por exemplo.
Mas há, ainda, uma norma mais severa: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) que estabelece em seu artigo 21 que “é nulo de pleno direito” “o ato de que resulte aumento de despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder”. E a LRF vai além: a edição/aprovação/sanção de norma que contenha plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras públicas, e também a nomeação de aprovados em concurso público são proibidas (geram nulidade dos atos que a promovem), além da hipótese já vista (aumento de despesa com pessoal 180 dias antes do fim do mandato), caso gerem aumento de despesa com pessoal que possua parcelas “a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato”.
Isto quer dizer que artifícios frequentes, como aumentos escalonados ou concessão de benefícios escalonados (gratificações que aumentam com o tempo, por exemplo), com implementação após o fim do mandato do chefe de poder, não são permitidos pela lei. Então, para elucidar, caso seja concedido um aumento de 20% para dada carreira, dividido em quatro parcelas de 5%, nenhuma delas pode incidir após o fim do mandato, sob pena de nulidade. A proibição aqui é a de deixar uma “herança maldita” ao sucessor, o que pode até mesmo inviabilizar políticas públicas pelo novo governador ou prefeito.
Ainda nesta ótica, a lei de responsabilidade fiscal estatui que, nos dois últimos quadrimestres do mandato, não pode o titular de Poder “contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.” Mais uma vez, a preocupação do legislador é em não deixar uma “bomba fiscal” para o sucessor, a tal “herança maldita” a que me referi acima.
Uma última norma relevante que merece destaque neste breve texto é a proibição de conceder revisão geral da remuneração de servidores que “exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição” nos 180 dias anteriores à eleição (art. 73, VIII, do Código Eleitoral). Isto é, o impedimento diz respeito ao aumento real da remuneração, aquilo que supera a mera perda do poder de compra decorrente da inflação. Vê-se que esta regra, como algumas acima, para além da preocupação fiscal, contém um impedimento de abuso do poder político no sentido de agradar o funcionalismo local, sabidamente uma fatia relevante do eleitorado.
Em poucas linhas, busquei abordar algumas das proibições relacionadas ao momento eleitoral com a intenção de mostrá-las como desafios de gestão para o administrador. Quer dizer, ainda que a contratação de pessoas se mostre necessária, por exemplo, a lei traz dificuldades que, se observadas, evitam a responsabilização e a declaração de nulidade dos atos praticados.
Isto revela que a gestão pública tem de ser pensada, e não improvisada. As necessidades do serviço público devem ser supridas de maneira bem programada. A palavra de ordem é planejamento.
Advogado. Especialista em Direito Público. Graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).