Relacionamentos entre pessoas com mais idade demandam uma atenção maior com relação aos aspectos legais, principalmente no que diz respeito ao patrimônio e herança. Questões como a união estável, a sucessão e os direitos de cônjuges e familiares tornam-se mais complexas nessa fase da vida. Isso acontece especialmente quando há filhos de relacionamentos anteriores ou patrimônio pré-construído. Embora os cuidados sejam os mesmos para todas as faixas etárias, no caso de pessoas mais velhas, o impacto jurídico tende a ser mais significativo., pois é comum existirem bens acumulados e vínculos familiares prévios.
Segundo o advogado Kevin de Sousa, especialista em Direito de Família & Sucessões e sócio do escritório Sousa & Rosa Advogados, a legislação brasileira assegura ao companheiro em união estável o direito à herança. Isso consta no artigo 1.790 do Código Civil e equipara, em muitos aspectos, o companheiro ao cônjuge. “No entanto, um parceiro significativamente mais jovem pode enfrentar desafios caso não haja um planejamento sucessório adequado. Isso acontece especialmente em disputas com filhos do parceiro mais velho”, explica.
De acordo com o especialista, se o casal decidir morar junto e configurar união estável, o companheiro mais novo passa a ter direitos sucessórios. Eles incluem a meação de bens adquiridos na constância da união. Também incluem possíveis cotas hereditárias em concorrência com descendentes e ascendentes. “Neste caso, um acordo pré-nupcial é altamente recomendável quando um ou ambos os parceiros possuem patrimônio substancial. Ou, ainda, obrigações familiares anteriores, como filhos de outros casamentos. O acordo pode determinar a divisão de bens em caso de separação. Também pode evitar litígios em eventual falecimento, protegendo direitos adquiridos antes do casamento e definindo limites para os bens partilháveis”, afirma.
Além disso, o advogado conta que o acordo pré-nupcial pode prever cláusulas para a manutenção de benefícios a familiares anteriores, como pensões e heranças. “É importante que o pacto seja elaborado com a orientação de um advogado especializado para que reflita corretamente a vontade das partes e atenda às exigências legais”, orienta o Dr. Kevin.
União estável em vez de casamento formal
Para a advogada Aline Avelar, advogada do escritório Lara Martins Advogados e especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório, os aspectos legais em relacionamentos envolvendo pessoas mais velhas merecem atenção. Porém, muitos desses cuidados também são relevantes para pessoas mais jovens.
“Pessoas acima de 50 ou 60 anos geralmente já possuem um patrimônio formado, o que torna importante discutir como os bens serão tratados em caso de casamento ou união estável. A separação de bens, por exemplo, pode ser uma opção frequente, visando proteger o patrimônio já acumulado para herdeiros”, afirma.
Segundo a advogada, muitos casais nessa faixa etária optam por uma união estável em vez de casamento formal. Isso pode ter impactos legais em termos de direitos patrimoniais, sucessórios e previdenciários. “A formalização da união é essencial para garantir direitos como pensão por morte”, alerta.
Outro ponto importante é que relacionamentos entre pessoas mais velhas também trazem a necessidade de considerar como o novo parceiro ou parceira será incluído em testamentos ou na divisão de bens. “A lei estabelece uma quota legítima para herdeiros necessários, como filhos. Isso deve ser considerado no planejamento sucessório. O avanço da idade pode trazer questões de saúde. Neste caso é importante prever a nomeação de uma pessoa de confiança para tomar decisões médicas. Ou, ainda, gerenciar os bens em caso de eventual incapacidade”, diz.
Pessoas com 70 anos ou mais podem escolher regime de bens
A advogada lembra que em fevereiro de 2024, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que pessoas com mais de 70 anos poderão escolher o regime de bens a ser aplicado no casamento ou na união estável. Antes da decisão, pelo Código Civil, maiores de 70 anos só poderiam se casar pelo regime de separação obrigatória de bens.
“Pela decisão do Supremo, fica facultado às partes a escolha do regime de bens do casamento mesmo quando um dos cônjuges tem mais de 70 anos. No entanto, se não for declarada a manifestação de vontade em cartório, vale o que está previsto no Código Civil. Ou seja, fica obrigatório o regime da separação de bens no casamento”, explica a Dra. Aline.
Diante disso, os direitos de herança variam. Eles dependem do casal ter formalizado o relacionamento por meio de casamento ou união estável. Também dependem da escolha do regime de bens para a união. “A união estável tem efeitos patrimoniais semelhantes aos do casamento. Porém, há algumas diferenças importantes. Para que a união estável produza efeitos legais plenos, incluindo direitos sucessórios, é necessário que ela seja formalizada. Pode ser através de escritura pública ou judicial. Ou, ainda, é preciso que os parceiros vivam como uma família de fato, com prova de convivência e dependência econômica. Se o casal começa a morar junto sem formalizar a união, a comprovação da união estável pode ser exigida pelos herdeiros do falecido em caso de disputa”, diz.
Mesmos direitos independentemente da idade do parceiro
Mesmo em uma união estável com um parceiro significativamente mais jovem, a advogada explica que ele terá os mesmos direitos que o cônjuge em termos de herança, desde que a união esteja reconhecida. “Se a união estável for contestada, o parceiro mais novo terá que provar a existência da união para garantir sua parte na herança”, afirma a Dra. Aline.
Segundo o Dr. Kevin de Souza, a decisão do STF representa um avanço em termos de autodeterminação patrimonial. “Contudo, essa mudança afeta apenas os bens adquiridos após a alteração do regime. Não há repercussão sobre o patrimônio acumulado anteriormente, garantindo segurança jurídica e evitando a reabertura de processos de sucessão já concluídos. Para aqueles que desejam modificar o regime de bens, é crucial avaliar o impacto dessa decisão no planejamento sucessório. Deve-se considerar a divisão futura do patrimônio entre cônjuges e herdeiros, além de assegurar que a alteração seja feita formalmente em cartório ou com autorização judicial, conforme o tipo de união”, diz.
Planejamento sucessório é essencial
É importante que em casos de união de laços após os 70, o planejamento sucessório seja discutido, especialmente em relacionamentos com diferença significativa de idade, onde o parceiro mais velho já pode ter filhos ou outros herdeiros de relacionamentos anteriores.
“Herdeiros, como filhos do primeiro casamento, podem contestar a união estável ou a intenção do falecido de deixar bens ao parceiro mais novo. Isso acontece especialmente se perceberem que isso pode reduzir sua herança. Para evitar conflitos, é recomendável formalizar a união estável. Ou, no caso de casamento, estabelecer claramente as disposições patrimoniais por meio de um pacto antenupcial ou testamento”, orienta a Dra Aline.
Outro aspecto importante é a proteção contra dívidas contraídas antes e durante o casamento. Fazer um pacto antenupcial pode estipular que as dívidas de cada um, anteriores ou futuras, não afetem o patrimônio do cônjuge. Isso é particularmente relevante se um dos parceiros tiver dívidas financeiras significativas, alertam os especialistas.
Fonte: Instituto de Longevidade
Aline Avelar é advogada, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório. Presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFAM-GO. Secretária-geral da Comissão de Sucessões da OAB Goiás. Diretora Instituto de Estudos Avançados em Direito – IEAD. Membra do IBDFAM, professora, mentora e palestrante.