Por Bruna Vian Fetz.
Diante do estado de calamidade pública em razão da pandemia da Covid-19, tem-se experimentado no Brasil um cenário de muitas dificuldades e incertezas, em todos os níveis sociais e econômicos.
O impacto das medidas adotadas para contenção da disseminação da doença nas atividades empresariais está desencadeando diversas consequências econômicas. Diante disso, o que se tem visto é uma multiplicação de descumprimento de contratos das mais diversas naturezas.
Nessas circunstâncias, as empresas e a sociedade em geral têm discutido sobre temas como força maior, caso fortuito, onerosidade excessiva, impossibilidade da prestação contratual, revisão contratual por motivo imprevisível, frustração da finalidade do contrato, exceção de contrato não cumprido, boa-fé objetiva, abuso de direito, por exemplo.
Os efeitos negativos desse impacto ultrapassam a relação particular e afetam toda a economia, com a perda de postos de trabalho, inadimplemento das obrigações contratadas e redução da arrecadação de tributos.
Além disso, conflitos não resolvidos podem desencadear uma judicialização em massa. No que tange à esfera empresarial, não é estranho esperar uma enxurrada de pedidos de recuperação judicial e processos falimentares, inclusive.
O momento é atípico e extraordinário, de modo que mesmo ações judiciais podem não ser uma boa alternativa, porque não se sabe qual será o posicionamento do Judiciário (ou dos árbitros) em relação ao caso concreto.
Com isso, fica evidente que a renegociação espontânea ainda é a alternativa menos onerosa e mais eficiente para reduzir os prejuízos que estão sendo amargados por todos.
Nem sempre é possível, todavia, se estabelecer um diálogo construtivo com a outra parte na relação. Envolvidos em seus diversos problemas e sem conseguir visualizar uma forma adequada de resolver suas questões, as empresas, assim como os mais diversos contratantes e contratados, podem realmente precisar de ajuda técnica para fazer isso.
Buscar o auxílio de um advogado que o informe acerca das implicações legais que envolvem sua demanda é primordial. Assim, o profissional poderá representar seus interesses frente à uma negociação.
Caso verifiquem que não foi possível renegociar sua relação de forma direta, é muito oportuno que empresas, pessoas e advogados façam uso da mediação antes de propor de uma ação judicial.
A seguir serão listados alguns tópicos que esclarecem como a mediação pode ser utilizada nesses casos:
O que é a mediação?
A mediação é uma forma de resolver os conflitos de maneira consensual, que pode acontecer de maneira judicial ou extrajudicial, cuja utilização é regulamentada pela Lei n. 13.140/2015.
No caso da mediação extrajudicial, contrata-se um(a) mediador(a) que atuará como uma terceira pessoa imparcial, ou seja, alguém neutro em relação às partes.
Seu objetivo é facilitar a comunicação entre as partes e auxiliá-las na construção de um acordo, através de técnicas específicas. Por isso, é fundamental contratar profissionais devidamente qualificados.
Para quais conflitos ela é indicada?
Todos os conflitos podem ser objeto de mediação, qualquer que seja sua natureza. A mediação é especialmente indicada para questões em que um relacionamento está em discussão, como por exemplo: com um fornecedor, com um cliente, entre sócios, entre franqueador e franquiado, com prestadores de serviços, entre outros.
O mediador, por possuir uma expertise específica para isso, irá auxiliar as partes a resolverem o conflito que deu origem à disputa que estão travando. Seu foco é conduzir as partes a identificarem como querem resolver a questão.
Dessa maneira, por meio de sessões de mediação as partes podem resolver vários problemas decorrentes de um único conflito, além de amadurecerem sua comunicação e seu relacionamento.
É necessário ressaltar que quanto à direitos indisponíveis (menores envolvidos, por exemplo) também é possível mediar as partes, com a diferença de que o termo de acordo deverá ser submetido à homologação judicial para ter validade. Na seara empresarial e em contratos particulares, no entanto, a homologação é apenas opcional, em geral.
Conflitos com a Administração Pública também admitem a utilização da mediação, desde que observados procedimentos específicos, definidos pela Lei 13.140/2015 e resolução administrativa própria.
Qual a diferença entre conciliação e mediação?
É oportuno esclarecer que, apesar de conciliação e mediação serem muitas vezes usadas como sinônimos, possuem diferenças muito relevantes. Na conciliação, o procedimento é bastante superficial e o conciliador não vai adentrar na análise do conflito. Assim, se o conflito envolver uma relação duradoura, pode ser que fiquem questões não resolvidas a contento.
Como dar início e como se desenvolve o procedimento de uma mediação extrajudicial?
Para utilizar a mediação as pessoas não precisam ter um contrato escrito entre si e, se tiverem, não há necessidade de ter previsão nele de que farão uso da mediação.
O interessado ou seu advogado entrará em contato com um(a) mediador(a) capacitado(a) e que seja de sua confiança, que pode ser uma pessoa física (ad hoc) ou através de uma câmara, que possui mediadores cadastrados em seus quadros.
O(A) mediador(a), ou a câmara, entrará em contato com a outra parte e fará o convite a ela para que participe da mediação. Se o convite for aceito, é agendada uma data em que o(a) mediador(a) dialogará com as partes para iniciar a construção da solução do conflito, podendo ser agendadas outras sessões (reuniões), de acordo com a necessidade.
Este é um procedimento informal e oral, sem a produção de provas ou documentos durante seu desenvolvimento, com confidencialidade resguardada por lei. Nada do que for tratado na mediação poderá ser divulgado. Isso garante a eficácia do método, que oferece um ambiente seguro para a negociação.
Além disso, as sessões podem acontecer em poucos dias, garantindo celeridade na resolução da controvérsia. Os custos também são acessíveis, pois são usualmente cobrados em horas de trabalho do mediador.
As sessões podem ser realizadas presencialmente ou remotamente, de maneira on-line, garantindo-se assim o acesso a esta técnica mesmo em períodos de recomendação de isolamento social.
O acordo obtido em uma mediação tem validade?
Em sendo alcançado um acordo, as partes assinam um termo, que pode ser particular ou pode ser submetido à homologação judicial, tendo força de título executivo. Esse documento será, portanto, a solução oficial do conflito, tendo validade jurídica e podendo ser executado caso não seja cumprido.
Se não for obtido acordo, as partes ainda têm à sua disposição a possibilidade de entrarem com uma ação judicial que seja cabível no seu caso, ou um procedimento arbitral, a depender da situação.
Como é a atuação dos advogados na mediação?
A participação de advogados na mediação se mostra muito importante, pois são eles que vão aconselhar juridicamente as partes, tendo em vista que o mediador é um terceiro neutro que não pode opinar sobre o caso.
Cada parte terá seu próprio advogado, que atuará estratégica e colaborativamente para a construção da solução, buscando a realização dos interesses de seu cliente.
Quando é possível utilizar a mediação?
Por ser um método de autocomposição (em que as próprias partes é que decidem consensualmente qual será a solução para suas questões), as partes e seus advogados podem optar por utilizar a mediação a qualquer momento.
Tendo como referência a propositura de uma ação judicial, ela recebe a seguinte classificação: pré-processual e processual.
A pré-processual é a mediação que acontece antes de as partes terem formulado uma ação judicial, enquanto que a processual é aquela que ocorre durante o curso de uma demanda judicializada.
Assim, a utilização da mediação não depende de uma ação, bem como pode ser utilizada mesmo que haja um processo judicial em curso.
E a mediação judicial, como funciona?
Chama-se de mediação judicial aquelas que são realizadas por mediadores credenciados ao Tribunal de Justiça. As partes podem escolher o mediador dentro do cadastro oferecido pelo Tribunal, ou manifestarem se aceitam a designação feita pelo juiz.
Mesmo quando há processos judiciais em andamento, ainda assim as partes podem optar por contratar o(a) mediador(a) além dos cadastrados, ocasião em que o processo ficará suspenso enquanto perdurar a mediação extrajudicial.
E quanto aos reflexos da Covid-19, como os órgãos públicos estão se mobilizando em relação ao uso da mediação?
A utilização da mediação já faz parte da política pública brasileira. A Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça foi o marco nacional do tratamento adequado de conflitos e, a partir de então, o instituto se desenvolveu muito.
Atualmente, em razão da preocupação com a judicialização excessiva de conflitos, os Tribunais estão se mobilizando para fomentar o uso especialmente da mediação pré-processual.
A exemplo disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo publicou o Provimento CG n. 11/2020, criando um projeto piloto que prevê que as partes poderão solicitar ao Tribunal antes mesmo de ajuizarem uma ação, a realização de uma audiência de conciliação, on-line, seguida de uma mediação, caso não haja acordo na audiência conciliatória.
Na área trabalhista, a mediação pré-processual, tanto em casos individuais, como em coletivos, foi objeto da Recomendação nº 01, de 25 de março de 2020 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e seus Tribunais estão sistematizando a sua realização de forma integralmente on-line.
Em âmbito legislativo, o Projeto de Lei n. 1.397/2020, contempla medidas de caráter emergencial, envolvendo alterações à Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e de Recuperação de Empresas) inclusive, para lidar com os efeitos relativos à pandemia da Covid-19, tendo como uma das propostas a criação de um procedimento de jurisdição voluntária denominado negociação preventiva, que pode ser comparado a uma mediação pré-processual.
Como se verifica, é inegável que a utilização da mediação, ressaltando-se aquela pré-processual, demonstra-se sobremaneira relevante nesse período crítico, por ser uma medida rápida, de baixo custo e de eficientes resultados.
Advogada e mediadora de conflitos. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e pós-graduada em Direito do Agronegócio, Meio Ambiente e Desenvolvimento na Universidade de Rio Verde. Membro da Comissão Especial de Direito do Agronegócio e da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem da OAB de Rio Verde.