Entrevista concedida pelo advogado, sócio do Lara Martins Advogados e especialista em Recuperação de Empresas, Filipe Denki.
_Leia abaixo na íntegra:
Depois de entrar no dia 25 de janeiro com um pedido de Chapter 11 no Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York, nos Estados Unidos, a Gol teve a aprovação para seguir com sua operação normalmente e acessar um financiamento de US$ 950 milhões pelo mecanismo de debtor-in-possession (DIP). Esse empréstimo deve ajudar a empresa a manter de pé o negócio e a trazer 20 aeronaves que estavam ociosas de volta à operação.
Nesta terça, 30/1, a empresa teve suas ações excluídas pela B3 do Ibovespa e de todos os outros índices que a incluíam em negociações na bolsa de valores e passa a ser listada sob o título de “Outras Condições” a partir do pregão de hoje. Ontem, os papeis tiveram forte queda, após a companhia divulgar que encerrou dezembro com um endividamento de R$ 20,17 bilhões.
Acionar o Chapter 11 nos Estados Unidos foi, claro, um pedido de ajuda financeira. Mas por que a empresa não entrou com pedido de recuperação no Brasil? Qual a diferença entre os dois mecanismos de proteção empresarial?
Para que serve o pedido de recuperação judicial?
O pedido de recuperação judicial não é um instrumento usado apenas para evitar que uma empresa quebre. Ele também dá fôlego a companhia com a suspensão temporária de cobranças. No entanto, é preciso apresentar uma estratégia de recuperação. Caso a empresa não escolha esse caminho, os credores podem entrar diretamente com o pedido de falência.
O diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB e sócio do Lara Martins Advogados, Filipe Denki, explica que o pedido de recuperação judicial, regulamentado pela Lei de Falências, é um processo que visa auxiliar a companhia a superar uma crise econômico-financeira que ela está enfrentando.
“Nesse processo, a empresa vai organizar a documentação necessária para o estudo de pedido. Nele, ela comprova que é uma sociedade empresária e inclui as atas de assembleia e os documentos contábeis para que o Judiciário possa auferir se ela, de fato, preenche os requisitos para conceder a recuperação judicial”, explica Denki que trabalhou nos processos da Samarco e da empresa de telefonia Oi, defendendo os credores
A recuperação também impede que trabalhadores da companhia percam o emprego, fornecedores o cliente e o Estado uma fonte de arrecadação de impostos.
Recuperação Judicial no Brasil x Chapter 11 nos Estados Unidos
Assim como um pedido de recuperação judicial, o Chapter 11 proporciona às empresas uma oportunidade de reestruturar suas finanças, renegociar dívidas e buscar um caminho viável para a continuidade das operações.
No Brasil, a recuperação judicial é regulamentada pela Lei nº 11.101/2005, sendo um mecanismo legal que busca reabilitar empresas em situação de crise financeira. O pedido pode ser apresentado pela própria empresa devedora e, uma vez aceito pelo juiz, inicia-se um processo para reorganização das finanças.
Durante o processo de recuperação judicial, a empresa pode negociar com credores, apresentar um plano de pagamento das dívidas e continuar suas atividades. É uma medida que visa preservar a empresa, seus empregos e a cadeia produtiva a ela associada.
Já nos Estados Unidos, o Chapter 11 da Lei de Falências permite que empresas busquem proteção judicial enquanto reestruturam suas finanças. Assim como no Brasil, a empresa em dificuldades permanece em operação durante o processo. No entanto, no Chapter 11, há uma ênfase maior na reorganização estratégica, muitas vezes com a venda de ativos não essenciais.
Uma diferença notável é o papel dos acionistas. Nos EUA, os acionistas frequentemente mantêm mais controle e participação na tomada de decisões durante o processo, ao passo que no Brasil, o plano de recuperação pode envolver a conversão da dívida em participação acionária.
O nome Chapter 11 faz referência ao capítulo de número 11 do Código de Falências norte-americano. O Chapter 11 disciplina a recuperação judicial por lá.
Por que optar pelo Chapter 11 e não por uma RJ?
A decisão de uma empresa optar pelo Chapter 11 nos Estados Unidos em vez de um pedido de recuperação judicial no Brasil pode ser motivada por diversas razões estratégicas e operacionais. Algumas diferenças fundamentais entre os dois mecanismos de proteção empresarial são:
1. Jurisdição e Localização das Dívidas:
- O Chapter 11 está vinculado à legislação de falências dos Estados Unidos, por isso permite que a empresa reestruture suas dívidas nos tribunais americanos. Isso pode ser vantajoso se a maior parte das dívidas ou credores relevantes estiverem nos EUA.
- A recuperação judicial no Brasil, por outro lado, lida com as dívidas e credores brasileiros, sujeitando-se à legislação brasileira. A escolha entre os dois mecanismos pode depender de onde a empresa enfrenta mais desafios financeiros.
2. Flexibilidade no Processo de Reestruturação:
- O Chapter 11 é conhecido por oferecer às empresas maior flexibilidade na reorganização de suas operações e finanças. Isso pode incluir a venda de ativos não essenciais e a elaboração de planos de recuperação mais complexos.
- A recuperação judicial no Brasil também proporciona flexibilidade, mas o processo pode ser mais prescritivo em certos aspectos, dependendo das regras e regulamentações locais.
3. Participação dos Acionistas:
- No Chapter 11, os acionistas muitas vezes têm uma participação mais ativa nas decisões estratégicas durante o processo de reestruturação, o que pode ser uma consideração importante para empresas que buscam preservar o valor para seus acionistas.
- A recuperação judicial no Brasil pode envolver decisões que afetam os acionistas, mas a participação e influência deles podem variar em comparação com o processo nos Estados Unidos.
4. Complexidade e Prazo:
- O processo do Chapter 11 costuma ser mais rápido e a estrutura oferece às empresas uma janela de tempo para reorganizar suas finanças de maneira mais abrangente.
- O processo de recuperação judicial no Brasil pode ser percebido como mais rápido e direto, o que pode ser desejável em situações em que uma resolução rápida é crucial.
5. Diferença no papel do administrador judicial:
- Assim que uma recuperação judicial é homologada pela Justiça brasileira, é nomeado obrigatoriamente um administrador judicial para conduzir o processo. Trata-se de um profissional, geralmente advogado, que vai atuar como braço direito do juiz em tarefas administrativas e de fiscalização.
- Já nos EUA existe a figura do “trustee”, um funcionário público federal com função de supervisionar o processo e quem decide se o caso precisa ou não dessa figura é o juiz designado para cuidar do processo. Geralmente, os casos que demandam esse profissional são os mais complexos, que envolvem altas dívidas, e precisam de ajuda com a elaboração do plano de recuperação.
Recuperação judicial é melhor nos Estados Unidos?
Segundo especialistas consultados pelo site Inteligência Financeira, os Estados Unidos estão à frente quando o assunto é recuperação judicial, ainda que o Brasil siga um modelo internacionalmente reconhecido e venha avançando na legislação e na jurisprudência, especialmente nos últimos quatro anos.
Assim, companhias que possam escolher onde pedir a recuperação judicial eventualmente preferem os Estados Unidos.
“O mecanismo da recuperação judicial em si é semelhante nos dois países: é uma negociação coletiva da empresa com os credores”, diz o advogado Pedro Almeida.
“Mas o processo funciona melhor nos Estados Unidos, pelo sistema judiciário deles e pelo cumprimento estrito da lei.”
De acordo com Almeida, há situações em que os próprios credores se sentem mais confortáveis se a ação correr nos Estados Unidos.
Dessa maneira, há uma leitura de que o processo lá é mais transparente, rápido e seguro do que no Brasil.
Outro ponto que contribuiu para o rigor do processo norte-americano é que crimes contábeis por lá resultam em penas duras, como de prisão, o que raramente acontece no Brasil.
Clientes Gol podem ser prejudicados durante o processo?
Nesse cenário, é natural que clientes da Gol também fiquem preocupados em relação ao futuro da companhia ( e com a compra de suas passagens). Mas, de acordo com informações do e-Investidor, o CEO da Gol, Celso Ferrer, disse ontem em uma coletiva de imprensa que a empresa deve continuar com as suas operações normalmente.
“Nada do que estamos fazendo aqui terá um impacto para os clientes da empresa. A companhia continua com as suas operações normais. A entrada para o Chapter 11 é par fazer uma reestruturação do capital”, afirmou.
O executivo reforçou ainda que a empresa não prevê demissões em massa, o que reforça a manutenção dos embarques e desembarques. “Não há previsão de diminuição das operações que a Gol tem hoje. O Chapter 11 é justamente para que a gente consiga manter a frota que está em serviço. Não temos previsão de redução de pessoal, teremos uma malha aérea estável”, disse.
Na visão de João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research, essa foi melhor parte da trágica notícia da recuperação judicial. “O principal era continuar operando normalmente sem que haja cancelamentos de voos e mudanças repentinas na rotina dos consumidores”, afirmou.
Filipe Denki – Sócio do Lara Martins Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Especialista em Direito e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Especialista em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera. Formação Executiva em Turnaround Management pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ex-Presidente da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB/GO (triênio 2019/2021). Diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB (triênio 2022/2024). Diretor do Instituto Brasileiro de Direito da Empresa – IBDE. Membro dos institutos de insolvência empresarial TMA, IBAJUD, INSOL e IBR. Professor de Direito da Insolvência na Escola Superior da Advocacia – OAB/GO e na Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Coordenador do Curso de Formação de Administradores Judiciais da ESMEG. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás – CAM/ACIEG e do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Árbitro e Coordenador do Núcleo de Reestruturação e Insolvência Empresarial da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada – CAMES. Membro do Comitê de M&A e Reestruturação de Empresas da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB. Palestrante em diversos eventos e autor de artigos e livros sobre a área de insolvência.