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A Emenda Constitucional nº 125, promulgada em julho de 2022, inaugurou uma etapa marcante no sistema de recurso brasileiro ao estabelecer a obrigatoriedade de demonstração da relevância da questão federal infraconstitucional como requisito de admissibilidade do recurso especial.

Essa alteração, embora tecnicamente singela em sua redação, carrega um impacto prático profundo para o exercício da advocacia, para a rotina processual e para a própria função institucional do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O que antes se limitava à verificação de pressupostos formais e processuais já consolidados, como prazo, preparo e prequestionamento, agora exige uma etapa a mais, qual seja: convencer a Corte de que a controvérsia, mais do que servir aos interesses imediatos das partes, possui densidade e alcance suficientes para justificar o julgamento perante a instância superior.

Para fins práticos, a novidade significa que não basta apresentar um recurso impecável do ponto de vista formal. É necessário argumentar, de forma clara e persuasiva, que o caso supera o litígio particular e possui relevância jurídica, social, política ou econômica. A atuação da advocacia, portanto, passa a assumir um papel ainda mais estratégico para devida apreciação dos recursos.

Assim, o profissional deverá ir além da defesa técnica de seu cliente e construir uma narrativa que demonstre ao STJ o valor coletivo da controvérsia. É ele quem transforma um conflito privado em oportunidade para a Corte estabelecer um precedente que oriente toda a sociedade.

Esse movimento, que exige capacidade de contextualização e retórica refinada, valoriza a advocacia que sabe pensar o processo como parte de um sistema mais amplo, e não apenas como instrumento de resolução individual.

A Constituição Federal, ao implementar esse novo requisito processual, também previu hipóteses em que a relevância é presumida, como nos casos das ações penais, das ações de improbidade administrativa, das causas de valor elevado (superiores a 500 salários-mínimos) e das situações em que haja divergência em relação à jurisprudência dominante do entendimento do STJ.

Nesses casos, o profissional da advocacia está dispensado do ônus de comprovar a relevância. Ainda assim, a experiência demonstra que, mesmo diante de presunções legais, a qualificação da argumentação permanece indispensável. A Corte, diante de um volume expressivo de recursos, tende a valorizar aqueles que se apresentam bem estruturados, com demonstração clara de sua importância institucional.

Nesse ponto, mais uma vez, a habilidade do exercício prático da advocacia em construir argumentos consistentes e abrangentes pode ser decisiva para que o recurso seja efetivamente admitido e julgado a contento.

Não se pode ignorar que parte da doutrina tem visto no filtro de relevância o risco de aprofundamento da chamada jurisprudência defensiva, isto é, a utilização de expedientes formais para reduzir o acesso dos jurisdicionados aos tribunais superiores. Essa preocupação é legítima, sobretudo em um país onde o número de recursos é elevado e a sobrecarga de processos já se tornou crônica.

Entretanto, o próprio texto constitucional previu salvaguardas importantes, como a exigência de que a rejeição do recurso por ausência de relevância dependa da manifestação de dois terços dos membros do órgão julgador. Esse quórum qualificado funciona como freio contra a discricionariedade e garante maior segurança jurídica. Cabe, assim, ao profissional da advocacia, compreender tanto as críticas, quanto as proteções desse novo sistema e se posicionar de forma ativa no debate sobre sua aplicação prática.

O paralelo com institutos já consolidados em outros ramos do direito é inevitável dentro desse contexto. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já implementou e consolidou o instituto da repercussão geral, que condiciona a admissibilidade do recurso extraordinário à demonstração de relevância da questão constitucional debatida no processo.

Nesse mesmo sentido e a título exemplificativo, o Tribunal Superior do Trabalho adota o filtro da transcendência, que limita o acesso dos recursos de revista a matérias que extrapolem os interesses das partes. Essas experiências, cada uma em seu campo, demonstram que o filtro de relevância do recurso especial não é uma inovação isolada, mas parte de um movimento mais amplo de racionalização do acesso às cortes superiores no sistema normativo brasileiro.

A diferença é que, agora, esse mesmo raciocínio se aplica ao STJ, que julga matérias infraconstitucionais. O profissional da advocacia, ao manejar o recurso, deve saber dialogar com esses institutos, demonstrando como sua causa, embora particular, possui a relevância de gerar um impacto coletivo, seja pela uniformização da interpretação da lei, seja pela repercussão prática de sua decisão.

Esse ponto é fundamental para compreender o novo cenário: o STJ não deve ser visto apenas como instância revisora, mas como verdadeiro centro de uniformização do direito das normas jurídicas infraconstitucionais.

A Corte tem como missão institucional garantir que a lei seja interpretada de forma coerente e estável em todo o território nacional.

O filtro de relevância, se bem aplicado, auxilia nesse objetivo, permitindo que os Ministros concentrem seus esforços em causas paradigmáticas. Porém, para que isso se realize, é imprescindível que a advocacia esteja preparada para apresentar recursos qualificados, capazes de despertar o interesse institucional da Corte na sua apreciação devida.

Na prática, isso significa que a advocacia deve incorporar ao recurso especial uma espécie de “ensaio de relevância”, em que expõe, com clareza, os motivos pelos quais sua causa merece ser julgada. Esse esforço pode incluir a demonstração de impacto econômico, a evidência de divergências jurisprudenciais que afetam diversos processos, a relevância social da controvérsia ou a necessidade de orientação para casos futuros.

O recurso que se limita a reiterar argumentos técnicos, sem ampliar a perspectiva, corre sério risco de inadmissão. Por outro lado, aquele que articula bem a relevância da questão pode se tornar modelo de como o novo sistema deve funcionar.

Do ponto de vista prático, pode-se imaginar o caso de um contrato empresarial em que determinada cláusula é interpretada de forma divergente por tribunais regionais. O advogado, ao recorrer ao STJ, não deve apenas apontar a violação da lei, mas demonstrar que a solução da controvérsia interessa a inúmeros contratos semelhantes em todo o país, gerando segurança jurídica para empresas, investidores e consumidores.

Ou, ainda, o exemplo de uma ação de responsabilidade civil médica, em que a tese jurídica debatida possui reflexos diretos sobre a prática de hospitais e clínicas em âmbito nacional. Nesses casos, a relevância não está apenas no interesse do cliente, mas na necessidade de fixar parâmetros de conduta e responsabilidade que afetarão a coletividade como um todo.

Sob essa ótica, percebe-se que a introdução do filtro de relevância é também uma valorização da advocacia  com atuação de alto nível, que deverá aliar a técnica processual à visão estratégica e institucional, uma vez que, o exercício da advocacia não é apenas porta-voz de um interesse individual, mas protagonista na construção de precedentes que consolidarão a jurisprudência na sistematização normativa do país.

Essa mudança exige preparação, estudo e prática, mas também abre uma oportunidade singular: destacar-se em um cenário em que a qualidade da argumentação é critério determinante para o sucesso do recurso.

Assim, podemos afirmar que, a Emenda Constitucional nº 125/2022 inaugura não apenas mais um requisito formal, mas um novo paradigma de atuação profissional para todos os envolvidos. O recurso especial deixa de ser apenas o espaço de demonstração de violações de lei para se tornar uma arena em que a advocacia deve provar a importância do tema debatido para o sistema jurídico do país.

A advocacia, nesse contexto, assume papel central na transformação de litígios individuais em precedentes paradigmáticos. Longe de ser uma barreira, o filtro de relevância é um chamado à advocacia para que exerça, com ainda mais vigor, seu papel de guardiã da segurança jurídica e da efetividade do direito. É dessa forma, unindo técnica, persuasão e visão institucional, que o profissional poderá assegurar os interesses de seus clientes e, ao mesmo tempo, contribuir para o fortalecimento do sistema de justiça brasileiro.