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*Este artigo saiu primeiro no jornal O Estadão

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/inconstitucionalidades-da-mp-que-reonera-a-folha-de-pagamento/

 

Leia abaixo na íntegra:

 

No dia 29/12/2023, durante o recesso parlamentar, foi editada a Medida Provisória (MP) 1.202 pelo presidente da República, a qual revoga o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), reonera parcialmente a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento e limita a compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais.

O artigo 62 da Constituição federal expressa em seu caput que medida provisória somente poderá ser editada “em caso de relevância e urgência”. Em desacordo com a Constituição, a MP editada prevê a produção de efeitos de seus artigos somente em 1.º de abril de 2024, três meses após a sua edição, ou seja, se pode esperar 90 dias, não se trata de urgência.

Esse prazo remete à noventena, princípio constitucional que determina que os entes – União, Estados, Distrito Federal e municípios – cobrem o tributo somente depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou. A inconstitucionalidade encontra-se quando não se trata de lei e sim de medida provisória, o que deixa claro que a MP veio com intenção de legislar, e não de cumprir o seu caráter de relevância e urgência.

No dia 28/12/2023, um dia antes da sua edição, foi promulgada a Lei 14.784, que prorrogou até o final de 2027 a desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, cujo veto do presidente da República havia sido derrubado no dia 14/12/2023. E aqui encontramos outra inconstitucionalidade: o governo federal, insatisfeito com a derrubada do veto e promulgação da lei, um dia depois editou a MP, revertendo o que fora aprovado pelo Congresso Nacional, uma deliberada afronta à independência dos Poderes e ao inciso XXXVI do artigo 5.º da Constituição federal.

Nesse mesmo sentido, a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.232, concedeu liminar declarando que houve abuso do chefe do Executivo (presidente da República) – em 2022, medida provisória alterava leis de apoio financeiro ao setor cultural e de eventos – pela ausência da relevância e urgência e por se tratar de MP editada após o governo ter seu veto derrubado pelo Congresso Nacional. No julgamento foram suspensos todos os efeitos da MP para que fosse apreciada como projeto de lei, situação análoga ao caso aqui discutido.

A MP também ofende o artigo 178 do Código Tributário Nacional e súmula 544 do STF, que, analisados de forma separada e em conjunto, normatizam a impossibilidade de revogação de isenções fiscais pelo prazo certo, sendo vedado à administração livremente suprimir sem que o prazo tenha se esgotado.

Os contribuintes que terão revogados as isenções e/ou benefícios fiscais, destacando o Perse e a desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, poderão, via Poder Judiciário, requerer o afastamento dos efeitos da MP, o que já foi feito e com êxito em casos recentes, vide ADI 7.232.

A MP é mais uma medida do governo federal na busca de zerar o déficit das contas públicas; contudo, acabou se tornando um atropelo inconstitucional, criando ainda mais insegurança jurídica.