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*Artigo escrito por Filipe Denki, Ademário Neto e Jorge Lucas de Oliveira e saiu primeiro no portal ConJur:

https://www.conjur.com.br/2023-fev-12/opiniao-fornecedores-consumidores-americanas

 

Confira na íntegra abaixo:

 

Muito vem se especulando sobre as origens do rombo bilionário descoberto na contabilidade das Lojas Americanas, após pedido de renúncia do CEO da empresa, Sérgio Rial, que culminaram no derretimento das ações da empresa na Bolsa de Valores e abertura de procedimentos investigatórios no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

As movimentações iniciadas em 2021 pelos controladores da empresa, (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), por consequência, culminaram no recente pedido de recuperação judicial da gigante varejista brasileira. Com o deferimento do processo recuperacional, os contratos e demais relações jurídicas estabelecidas pelas Americanas passam a gozar de uma blindagem legal (stay period) contra processos de execuções ou qualquer outro ato que venha constranger seus bens (exemplo penhora) por um período mínimo de 180 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período.

Ou seja, pode-se afirmar, na prática, que os credores das Lojas Americanas ficarão numa espécie de “stand-by” pelo período mínimo de um ano, sem poder cobrar efetiva e/ou integralmente seus créditos (salvo, obviamente, algum fato novo que mude drasticamente os rumos do processo, por exemplo o não cumprimento de alguma disposição da Lei de Recuperação Judicial que venha ensejar a convolação do processo em Falência).

Desse modo, os créditos vencidos ou a vencer até a data do pedido de RJ estão sujeitos às condições futuramente impostas pelo plano de recuperação judicial (descontos, parcelamentos, prazos de carências etc.), salvo as exceções legais, à exemplo das travas bancárias e dos negócios jurídicos fiduciários.

Por outro lado, os créditos que forem originados após o pedido da RJ não estão sujeitos à recuperação judicial e deverão ser pagos “normalmente”, sendo necessário alertar que se estará tratando de uma devedora com a capacidade de pagamento, em tese.

Nesse contexto, é necessário destacar que na recuperação judicial os credores serão identificados e agrupados por classes que constarão no plano de recuperação judicial (a ser apresentado nos próximos 60 dias), e que no decorrer do processo recuperacional poderá em nada beneficiar os “pequenos” credores tendo em vista os grandes já conhecidos (R$ 4,8 bi — Bradesco — R$ 3,7 bi Santander — R$ 3,4 bi Itaú — R$ 2,5 bi Banco Safra — R$ 2 bi BTG, entre outros). Assim, do ponto de vista dos fornecedores, já se tem notícias, desde o anúncio do pedido de RJ, de superelevações de preços visando represar as vendas por meio da varejista, dado o receio gerado pela descoberta da suposta fraude contábil e seus desdobramentos econômicos e judiciais posteriores.

Caso você credor ou fornecedor se enquadre na hipótese de sujeição do crédito a recuperação judicial, pois a dívida ou fato gerador é anterior ao pedido ainda que não vencido, deverá verificar se o seu crédito consta na relação de credores já apresentada para verificar se é caso de apresentação de habilitação ou divergência de crédito.

A habilitação de crédito deve ser utilizada quando o credor detentor de um crédito sujeito a recuperação judicial constatar que este não consta na relação de credores. Por sua vez a divergência de crédito deve ser utilizada caso o crédito constante na relação de credores esteja incorreto, seja em relação ao valor, classificação ou titularidade.Em se tratando de crédito não sujeito a recuperação judicial (extraconcursal) a Americanas deverá pagar normalmente. Caso isso não ocorra voluntariamente, deverá ser tomada as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis. Nesse sentido, embora não se vislumbre consequências automáticas e imediatas, convém saudar a “prudência” dessas pessoas, alertando-as ainda que quaisquer tipos de relações jurídicas a serem firmadas com as Lojas Americanas a partir de agora devem ser aquelas que imprimam a maior liquidez e celeridade. Isso porque, embora a intenção do grupo seja permanecer honrando os compromissos, é comum que em recuperações judiciais haja a venda de filiais, demissão de colaboradores, diminuição de estoques e a consequente diminuição do fluxo de vendas (ao menos transitoriamente), sendo medidas tendentes a contribuir com a superação da crise, mas que igualmente não deixam de criar dificuldades para honrar os compromissos.

Em síntese, tal medida poderá ter o condão, inclusive, de forçar as Lojas Americanas a “andar na linha” durante o processo recuperacional que requereu à justiça, uma vez que, na prática, os “pequenos” fornecedores são quem de fato financiam a rede varejista, obviamente por intermédio dos Bancos, estes que por sua vez já demonstram que não darão trégua na defesa de seus interesses que superam cifras de mais de R$18 bi em créditos.

Ressalta-se ainda que a Lei prevê um privilégio a esses players caso a Americanas venha a falir, qual seja, seus créditos em aberto serão pagos com preferência aos credores concursais, vale dizer, antes dos trabalhadores, de credores que possuem alguma espécie de garantia real, do fisco e demais, previstos na legislação falimentar.

Noutra banda, no caso dos consumidores, tanto àqueles que possuem créditos a receber (anteriores ou posteriores à RJ) quanto aos que firmarem novas relações de consumo a partir de agora, informa-se que a Recuperação Judicial não implica em nenhuma alteração instantânea no funcionamento das lojas, inclusive na modalidade e-commerce, de modo que tanto a varejista deverá continuar honrando com seus compromissos à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto o consumidor não tem o direito de se esquivar de suas obrigações enquanto tal, à exemplo de continuar honrando com as compras feitas de forma parcelada.

Recomenda-se, contudo, por medida de prudência, que se dê preferência ao consumo em lojas físicas, onde é certa a retirada do produto que se está adquirindo. De mais a mais, o código consumerista não deixa de ser aplicável às relações de consumo em que figurem empresas em Recuperação Judicial — o que sequer ainda é o caso da Americanas, pois a RJ do grupo tecnicamente ainda se encontra em fase inicial de processamento, e ainda não foi concedida em definitivo, o que apenas ocorrerá após e se houver aprovação do plano de recuperação judicial ainda a ser apresentado e homologado pelo juiz.

 

Ademário Neto é advogado, administrador judicial, professor de curso preparatório, especialista em Processo Civil e Direito Civil, membro da Comissão de Direito Empresarial e Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB-GO e membro do Núcleo de Recuperação de Empresas do Lara Martins Advogados.

Jorge Lucas de Oliveira é advogado, administrador judicial, membro do Núcleo de Recuperação de Empresas do Lara Martins Advogados e ex-integrante do Núcleo de Falência e Recuperação Judicial da Procuradoria da Fazenda Nacional em Goiás (PFN/GO).