Por Rafael Lara Martins.
Quando que se tem conhecimento de um acidente de trabalho o senso comum já pensa no dever de indenizar do empregador o que constrói uma sensação geral de que sempre que sempre que houver um acidente de trabalho a empresa deverá indenizar o empregado. Mas isso é um equívoco! Nem todo acidente de trabalho desperta o dever de indenizar do empregador. E a razão é eminentemente jurídica.
O primeiro e mais simples exemplo de acidentes que, via de regra, não exigem indenização, é o acidente de trajeto. Se um trabalhador está indo ou voltando para o trabalho e ele se acidenta, esse fato é classificado como acidente de trabalho. Mas isso não quer dizer que a vítima desse acidente será indenizada – pelos motivos que serão trazidos adiante.
É importante lembrar, antes de tudo, que nem todo acidente de trabalho é grave. Qualquer infortúnio com um empregado no trabalho será considerado acidente de trabalho. Vamos imaginar a seguinte situação hipotética para melhor compreensão do tema: um empregado não vê seu cadarço desamarrado e tropeça por causa dele, caindo na empresa. Nesse momento ele ficou com uma dor pela queda e pediu para ir embora mais cedo por causa disto. Ele sofreu, portanto, um acidente de trabalho.
Regra geral, para a existência do dever de indenizar é necessária a presença de três requisitos simultâneos: o dano, o nexo causal e a culpa. Na ausência de um desses requisitos, não há indenização.
O primeiro requisito, o dano, quase sempre está presente em um acidente de trabalho. Até porque, quando não se tem dano, a maioria das pessoas sequer pensam naquela ocorrência específica como um acidente. Voltando ao exemplo do empregado que tropeçou, chegando em casa ele já se sente melhor e, então, percebe que apenas “se assustou”, não havendo qualquer consequência decorrente da queda. Nesse caso, não há, portanto, dano. E, se não há dano, não há dever de indenizar.
O segundo requisito é o nexo causal. Significa que o dano precisa ter relação de causalidade com o evento do acidente. Se o empregado que tropeçou cai apoiando-se em suas mãos machuca uma delas a ponto de precisar enfaixar ou engessar por alguns dias, essa lesão certamente tem nexo causal com o acidente. Mas se no dia seguinte o empregado reclama de dores no pescoço, será necessário investigar (por meio de um médico) se essa dor no pescoço tem ou não alguma relação com a queda sofrida. Essa relação retrata exatamente o nexo causal. Se a dor no pescoço vem porque ele dormiu mal naquela noite, não há qualquer relação dela com o acidente.
O terceiro e usualmente mais debatido dos requisitos é a culpa. Regra geral, a empresa somente indenizará o empregado se ela teve culpa no acidente. No caso do empregado que tropeçou em seu próprio cadarço, dificilmente será encontrada culpa da empresa (mas não é impossível imaginar as mais diferentes hipóteses). A culpa surge quando há imprudência, negligência ou imperícia de alguém em determinada ação.
Em um acidente de trabalho a culpa da empresa normalmente não está em ações, mas em omissões. O desrespeito às normas de segurança do trabalho, especialmente de prevenção de acidentes, é a grande responsável pela presença de culpa das empresas nos acidentes. Por isso, é um grande erro quando as empresas não dão o valor necessário à CIPA e demais órgãos e documentos obrigatórios vinculados à segurança do trabalho. Uma CIPA atuante e bem treinada colabora muito na prevenção.
Existem casos, no entanto, em que a empresa não precisa ter culpa para atrair para si o dever de indenizar. O nome jurídico para o tema que está sendo tratado na lição de hoje é “responsabilidade civil” e essa responsabilidade pode ser subjetiva ou objetiva. A responsabilidade subjetiva é a que o texto acabou de tratar. Já a responsabilidade objetiva diferencia-se da subjetiva por não exigir o requisito da culpa para atrair o dever de indenizar.
No caso de Brumadinho, a Vale está sujeita justamente à responsabilidade objetiva. Isso porque a atividade por ela exercida é uma atividade que chamamos de “atividade de risco” e sempre que a empresa decide explorar uma atividade de risco, ela assume, automaticamente, toda a responsabilidade em caso de acidentes, independentemente de ter havido alguma culpa. Atividades de risco trazem a possibilidade de um acidente a qualquer momento.
Os tribunais trabalhistas oscilam na interpretação de quais atividades são consideradas de risco, atraindo para os processos trabalhistas diferentes possibilidades e interpretações, o que gera uma grande insegurança jurídica, tanto para o empregado que busca uma indenização quanto para o empregador.
Apesar disso, tradicionalmente, algumas atividades são assim classificadas: o transporte aéreo, por exemplo, é uma delas. O trabalho em máquinas pesadas (e aqui tem-se, mais uma vez, a possiblidade de múltiplas interpretações) e uma que gera muitas polêmicas: o transporte em rodovias. A lista é grande e cada caso deve ser analisado individualmente.
Algumas possiblidades afastam o dever de indenizar no caso da responsabilidade objetiva. Uma delas é a ocorrência de caso fortuito ou força maior (como um desastre natural, por exemplo). Outra é a culpa exclusiva da vítima – quando o próprio empregado foi responsável pelo acidente sofrido, por descumprir normas que ele deveria ter cumprido e estava devidamente treinado para tanto – e a culpa exclusiva de terceiros (esse último também abre uma série de debates, pois os tribunais nem sempre afastam o dever de indenizar nesse caso, deixando para o empregador o ônus de buscar o reembolso de seus prejuízos perante esse terceiro).
Pois bem, mas existindo o dever de indenizar, quais são as indenizações possíveis? Como se calcular o valor a ser indenizado? Essas são reflexões que serão trazidas na quarta lição.
Até a próxima.
Advogado. Sócio nominal. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (gestão 2022/2024).