Por Rafael Lara Martins.
Muito tem se falado a respeito da tragédia de Brumadinho. Um acidente lamentável, oriundo da irresponsabilidade do poder público e da iniciativa privada em uma atividade tão peculiar e delicada. Todos perdemos em casos assim: os envolvidos diretamente, os envolvidos indiretamente, os que assistem tudo pela televisão e até mesmo quem sequer fica sabendo (se é que é possível) do ocorrido – afinal, a consequência macro ambiental será sentida por todos.
Acontece que em toda tragédia, todo momento de sofrimento, existem pessoas que permanecem envolvidas nas medidas emergenciais destinadas a dar suporte ao que realmente importa de imediato: o amparo às vítimas, seus familiares e ao meio-ambiente. Ao largo de tudo isso, há diversos gestores de crises das mais diferentes áreas: de imagem, econômica (especialmente ligada à bolsa de valores), a responsabilidade civil e a responsabilidade trabalhista.
A tragédia de Brumadinho tem potencial para ser o maior acidente de trabalho da história do país, haja vista o número de trabalhadores ainda desaparecidos. O famigerado recordista, até agora, foi o desabamento de um galpão em Belo Horizonte, que levou a óbito 69 trabalhadores, número esse que tem grandes chances de ser superado agora. Acidentes de trabalho são sempre trágicos, especialmente quando traz consigo tanta comoção social. Esse “aspecto trabalhista” da tragédia traz grandes lições e exige diversos esclarecimentos e análises, tanto do ponto de vista dos trabalhadores, quanto das empresas.
A partir de hoje divulgaremos diversas análises a respeito do tema, que além do caso Brumadinho também se aplicam a acidentes de trabalho que eventualmente possam acontecer.
O FGTS é uma conta vinculada que os trabalhadores com carteira assinada possuem. Registro a diferenciação dos trabalhadores “com carteira assinada” dos demais trabalhadores que não as possuem. Todos são trabalhadores, inclusive eventuais diretores estatutários, mas as relações jurídicas no mundo do trabalho têm se ampliado para relações que nem sempre trazem registro na CTPS – e isso diferenciamos, na análise feita nesse momento, sem qualquer julgamento de que seja um aspecto positivo ou negativo. Assim no presente artigo, os trabalhadores com carteira assinada serão denominados “empregados”.
Essa conta é uma espécie de “poupança” aberta em nome do empregado para momentos difíceis. A regra geral traz previsão de saque nos casos de dispensa imotivada (a dispensa sem justa causa), auxiliando o trabalhador nesse momento em que ele fica sem emprego de forma inesperada.
Mas essa não é a única hipótese de saque. A lei do FGTS (Lei 8.036/90) prevê em seu artigo 20, dezenove possibilidades de saque dos depósitos fundiários – situações estas que vão desde a aquisição de órtese ou prótese para o trabalhador com deficiência até o investimento em fundos específicos na bolsa de valores.
No caso de Brumadinho, duas hipóteses iminentes se destacam. A primeira hipótese é o levantamento dos valores pelos familiares dos empregados com falecimento já confirmados. Quem tem direito ao saque são os dependentes registrados junto à Previdência Social para fins de recebimento da pensão por morte, que poderão, com toda a documentação em mãos, dirigirem-se diretamente à Caixa Econômica Federal.
Caso não haja habilitados junto à Previdência Social, os sucessores na lei civil terão direito ao saque. Mas, para tanto, eles deverão obter alvará judicial específico para esse fim, independentemente de inventário ou arrolamento. A obtenção desse alvará judicial, via de regra, é um procedimento simples, apesar de ser judicial.
A outra hipótese prevista na lei para o caso concreto atinge não apenas os trabalhadores da Vale, mas todo e qualquer trabalhador “residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal”. Nesse caso, é necessário que o governo federal reconheça expressamente essa condição para autorizar o levantamento.
A questão relacionada ao FGTS levou a muita desinformação nas redes sociais recentemente. Isso porque tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto a presidente Dilma (no acidente de Mariana) tiveram que declarar formalmente essa situação, fazendo com que muitos acreditassem que havia alguma “proteção” aos causadores do acidente. Na verdade, é um ato formal, para possibilitar a movimentação da conta fundiária.
No próximo texto falaremos sobre algumas medidas que as empresas devem tomar em acidentes, independentemente de sua responsabilidade. A Vale, antes de tudo, já anunciou a doação de 100 mil reais às famílias dos falecidos. Qual será a consequência disso? E em acidentes de trabalho isolados, o que a empresa deveria fazer?
Até a próxima.
Advogado. Sócio nominal. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (gestão 2022/2024).