Por Rafael Lara Martins.
Desde a segunda guerra mundial existe a terceirização como um modelo de gestão ou forma de contratação pensada para contratar serviços especializados não dominados pela empresa. No Brasil, ela chega por volta da década 80 e ganha grande força a partir do início da década de 90. Quase tão antigas quanto a própria terceirização, é a alegação de que ela “precariza” a relação de emprego ao submeter os trabalhadores terceirizados a menores salários, condições inseguras e outras formas de diminuição de sua dignidade. Verdadeiras ou não as críticas da precarização, fato é que apesar disso, nunca havia sido aprovada uma legislação que a regulamentasse.
Esse cenário gerou um grande número de reclamações trabalhistas nesse período até que o Tribunal Superior do Trabalho, ante a ausência de legislação a respeito, editou a Súmula 331, criando regras a respeito. Entre outras, uma das principais definições desta súmula estava previsto que não poderia ser terceirizada a “atividade-fim” de uma empresa, somente “atividade-meio” (e exemplificava como tal serviços de vigilância, conservação e limpeza). Explicações e conceitos sobre atividade-meio e atividade-fim povoaram os meios acadêmicos e judiciais desde então, gerando grande controvérsia em torno do tema, inclusive a respeito de ser possível ou não separar esses conceitos. Diversos processos judiciais – seja por competência originária ou recursal – debatiam a inconstitucionalidade dessa limitação perante o Supremo Tribunal Federal – STF, mas a suprema corte nunca havia se pronunciado a respeito. Esse cenário gerou enorme insegurança jurídica, condenações milionárias e milhares de processos no país inteiro sobre isso.
No último ano, com a onda reformista trabalhista, foram aprovadas duas leis para regular o assunto: primeiro a Lei 13.429/2017, que alterou substancialmente a Lei 6.019/74, fazendo com que essa passasse a ser a “Lei da Terceirização” e não somente a Lei que tratava do “Contrato Temporário”. Pouco depois foi editada a Lei da “Reforma Trabalhista” propriamente dita (13.467/2017) que trazia novas modificações a respeito do assunto. Com relação ao tema que estamos falando, ambas as leis autorizavam a terceirização em todas as atividades da empresa, sem separação de “meio” ou “fim”. Críticas e alegações de inconstitucionalidade surgiram de imediato.
Nesse imbróglio todo é que STF levou à pauta a ADPF 324 e o RE 958.252 para enfrentar o tema da terceirização da atividade-fim, e o fez por sete votos a quatro a favor da inconstitucional de alguns incisos da Súmula 331 da TST. De forma concreta para esse texto, o fez para dizer, claramente, que é possível a empresa terceirizar a atividade-fim.
Então vem a pergunta: terceirizar é legal? Legal é uma palavra que abrange dois conceitos. Do ponto de vista jurídica, “legal” é algo que está conforme o estabelecido, regulado, definido. No dia-a-dia utilizamos “legal” para dizer de tudo aquilo que está “em ordem, sem problemas; bem, certo, regularizado” – traduzindo, algo bacana!
Voltando à terceirização, parece que de agora em diante não resta dúvida acerca da legalidade jurídica da terceirização de quaisquer atividades da empresa. Mas terceirizar é também bacana? As estatísticas utilizadas para justificar a precarização do emprego não são falsas – o que nos levaria a um pensamento inicial de que não tem como ser! Mas essas estatísticas tem colheita e leitura viciada, basta olhar sem paixão. Isso porque elas foram colhidas em um período em que não havia qualquer legislação a respeito (tudo que é feito sem regulação adequada, cai em uso inadequado).
Somente agora temos regras claras a respeito, especialmente no que concerne à responsabilidade do contratante quanto às regras de saúde e segurança do trabalho (e não resolve dizer que os tribunais assim já entendiam, pois cenários de insegurança jurídica devem ser repudiados).
Entendo que terceirizar é legal sim, sob ambos aspectos, mas somente se feito adequadamente. Terceirizar não é um cheque em branco! Terceirizar não é transformar todos os trabalhadores em PJ, substituindo a CTPS por uma Nota Fiscal. Terceirizar não é encontrar alguém que não pagará os trabalhadores. Terceirizar não é “se livrar do problema” trabalhista. Terceirizar é legal – mas bacana mesmo – se as contratantes buscarem empresas idôneas, que respeitem os direitos dos trabalhadores e que sejam especializadas em algum serviço específico a ser prestado para quem está contratando. Esse é o espírito da Lei de Terceirização: serviços especializados de fato!
Não tenho dúvidas de que nesse momento pode estar passando pela cabeça dos empresários: se terceirizar é legal, como fica o passado e as condenações desses últimos 25 anos? Condenações em danos morais sociais e coletivos – muitas vezes milionários – essas, o STF disse que ficarão na conta do custo-Brasil. A decisão não vai retroagir e alcançará apenas os processos em andamento.
Outro pensamento inafastável é: as empresas que em algum momento assinaram Termos de Ajuste de Conduta (os TACs) junto ao Ministério Público do Trabalho devem continuar os cumprindo? Por cautela, respondo afirmativamente em um primeiro momento. Mas esses TACs podem – e devem – ser revistos imediatamente, pela via adequada, seja ela administrativa ou judicial. Afinal de contas, terceirizar é legal, proibir não!
Advogado. Sócio nominal. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (gestão 2022/2024).