Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada no Congresso Nacional pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) quer reduzir a jornada de trabalho no Brasil para apenas quatro dias semanais, acabando com o modelo de uma folga a cada seis trabalhados. Representantes dos meios jurídico e empresarial e deputados federais não acreditam na aprovação da PEC como está, mas a estimativa da deputada é que ela provoque novas discussões sobre a jornada de trabalho.
A proposta diz que a alteração na Constituição Federal refletiria um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida. Para ser discutido na Câmara e no Senado, o texto precisa de, pelo menos, 171 assinaturas de parlamentares, por se tratar de mudança na Constituição. Cerca de 100 nomes já teriam endossado a proposta, segundo o
PSOL, depois da discussão chegar as redes sociais.
Para o presidente da Federação do Comércio de Goiás (Fecomércio), Marcelo Baiocchi, a aprovação da PEC teria um impacto negativo para a economia, principalmente para o comércio, que tem nos finais de semana seus melhores dias de venda e teria dificuldade para funcionar. “Não teríamos condições de ter duas equipes trabalhando para funcionar todos os dias da semana, o que dobraria custos e inviabilizaria muitas empresas”, alerta. Para ele, o ideal é espelhar nas economias onde há liberdade de negociação entre trabalhadores e empregados.
“Com a mudança, faríamos o inverso, criando mais ingerências na relação trabalhista, o que traria maiores prejuízos para o trabalhador, que poderá perder o emprego com as empresas inviabilizadas, e para o cidadão, que terá de pagar a conta do aumento de custos na produção e comercialização, que seriam repassados aos preços dos produtos, gerando inflação”, diz Baiocchi. Para ele, a relação trabalhista hoje é equilibrada, com respeito ao descanso semanal remunerado e a livre negociação, através das convenções coletivas.
O presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado (Acieg), Rubens Fileti, acredita que a mudança agravaria ainda mais o problema da falta de mão de obra. “A Amazon anunciou o fim do home office, um modelo que foi adotado pela área de tecnologias e vários segmentos. Algumas empresas tiveram produtividade e outras não”, ressalta. Por isso, a interferência da legislação às vezes prejudica as empresas na forma de trabalhar, além de não proteger ninguém, acrescenta.
Qualificação
Para Fileti, a urgência atual é por qualificação, principalmente para empresas mais especializadas.
“Apesar de alguns estudos falarem que só quatro dias de trabalho aumentam a produtividade do colaborador, outros falam que isso não é verdade. Por que testar um modelo que realmente não é adequado para empresas, muito predador, que vai acabar prejudicando as relações trabalhistas, que precisam ser melhoradas? É muito mais utópico que efetivo”, diz. Por isso, ele não acredita que a proposta siga, pois reduzir a carga não deve impactar positivamente as relações e aumentar a produtividade. “Só aumentará o custo das empresas, gerando efeito cascata de custos nos preços dos produtos”, diz o presidente da Acieg.
A advogada Juliana Mendonça, diretora do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT), acha pouco provável que a PEC passe, até porque precisa ter aprovação de três quintos nas duas casas, o que não é simples. Ela lembra que a realidade atual é de flexibilização de direitos trabalhistas e não há estudo prático que demonstre que isso teria repercussão positiva para as empresas. “O que temos visto são salários baixíssimos e aumento da informalidade, com pessoas prestando serviços”, destaca.
Para Juliana, o debate vai além da questão de jornada e escolheram um péssimo momento para esta discussão, que tem de ser em torno da perda de direitos trabalhistas. “As categorias, através dos sindicatos, têm poder para negociar inclusive redução de jornada, em acordos e convenções coletivas.
Isso deve ser fruto de apelo popular de rede social, mas não veja possibilidade de ser cogitado”. avalia.
Para o advogado trabalhista Ernane Nardelli, do escritório Jacó Coelho, a medida deve promover uma
‘regulamentação’ da informalidade porque as empresas não conseguiriam absorver este custo, principalmente as pequenas, que não poderiam mais ter apenas um funcionário. A ideia de criação de mais postos de trabalho, na realidade jamais se concretizaria. “Alguém teria de pagar este custo, que seria o consumidor final nos preços dos produtos. Empresas jamais poderiam funcionar só nestes quatro dias com final de semana de três dias. Proposta não é para reduzir a carga para 40, mas para 36 horas semanais”.
Bancada goiana
Para o deputado Daniel Agrobom (PL) a PEC está tendo pouco apoio parlamentar. “Até mesmo entre a esquerda, não há consenso sobre esse projeto”, afirma. Na visão dele, a jornada de trabalho que está na Constituição é um travada, mas é preciso pensar que uma mudança desta natureza poderia gerar prejuízo, principalmente para as empresas de médio e pequeno porte, acarretando na necessidade de mais contratações.
Nesse sentido, o projeto seria prejudicial, pois poderia causar uma defasagem nos salários, uma vez que as pessoas iriam trabalhar menos. “Uma solução moderna e inteligente, já utilizada nas nações desenvolvidas, seria a criação de um projeto para a livre negociação entre empresas e trabalhadores.
Assim, eles acertariam quantos dias da semana poderiam ser trabalhados e o valor da remuneração, beneficiando os dois lados”, defende. Para ele, a aprovação do projeto poderia acarretar até numa demissão em massa. “Acredito que essa proposta será muito discutida em comissão especial, pela sua relevância, mas será muito difícil chegar ao plenário com este texto”, prevê.
O deputado Rubens Otoni (PT) define a PEC como oportunidade de investir no crescimento das pessoas, o que tem impacto positivo nas empresas. “Pode significar mais tempo para investir na sua formação profissional, para estar com sua família, o que pode favorecer a saúde mental”, acredita. Segundo ele, esta não é uma proposta de governo ou oposição, mas que sensibiliza pelo humanismo e modernidade nas relações de trabalho.
Otoni reconhece que é uma proposta difícil de ser aprovada, diante o perfil do Congresso Nacional. “É o início de um debate que ainda tem muita resistência, mas que é a tendência mundial.”
Advogada. Sócia do Lara Martins Advogados. Mestranda em Direito Constitucional Econômico. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Primeira Secretária do IGT – Instituto Goiano de Direito do Trabalho. Diretora da AGATRA – Associação Goiana dos Advogados Trabalhistas. Gestora sênior do núcleo trabalhista de alta e média complexidade com foco em demandas especiais de pessoas físicas. Professora de Graduação e pós Graduação.