Talvez você já tenha reparado nos filmes norte-americanos ou mesmo tenha vivido a experiência de ir a um restaurante ou usar um táxi nos Estados Unidos. Naquele país, embora não seja lei, gorjeta é praticamente sinônimo de parte da renda do prestador de serviço e está institucionalizado no dia a dia local. Quem não paga é alvo de olho torto e até de xingamentos.
Por aqui é diferente, já que a exigência não é tão ostensiva. Como explica Leonardo Morau, advogado especialista em Direito do Consumidor e sócio da TT&Co, de São Paulo (SP): “No Brasil, a gorjeta não é obrigatória. Contudo, é um costume bem disseminado na cultura nacional como forma de reconhecimento e agradecimento pelo bom atendimento”, informa.
Ele destaca que o estabelecimento é livre para sugerir o valor da gorjeta, que segundo Morau, na cidade de São Paulo, por exemplo, fica entre 8% e 13%. Valores como esses são estabelecidos por prática e convenção social, e cabe ao consumidor aceitar esse acréscimo ou de outro percentual ou se recusar a pagar.
Se entre cliente e prestador de serviço a gorjeta é voluntária – recompensa quem quer – a coisa muda de figura quando se trata da relação entre empregador e empregado de setores como bares, restaurantes e similares.
“A situação é outra porque a legislação trabalhista, por meio do artigo 457, parágrafo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelece que as gorjetas, sejam elas espontâneas (dadas diretamente pelos clientes) sejam aquelas cobradas em nota fiscal, são consideradas parte da remuneração do trabalhador, desde que estejam previstas no contrato de trabalho ou na política da empresa”, informa Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins & Advogados, mestre em Direito e especialista em Direito e Processo do Trabalho, de Goiânia (GO).
Em resumo, de acordo com a advogada, o que determina a necessidade de dar gorjeta não é uma obrigação do cliente, mas o direito do trabalhador de recebê-la, caso seja uma prática estabelecida no local onde atua.
Empreendedores podem reter
Quando se trata da situação empregador/empregado, a lei nº 13.419/2017 permite que o patrão retenha parte do valor dado como gorjeta ao garçom para cobrir encargos sociais, trabalhistas e previdenciários, e exige que o valor remanescente seja revertido ao funcionário. Morau aponta que “são 20% para o custeio dos encargos, se a empresa estiver no regime do Simples Nacional. No caso daquelas enquadradas no regime de tributação do Lucro Presumido ou Lucro Real, elas podem reter 33%”, diz.
Juliana Mendonça lembra que não há leis federais específicas que regulamentem as gorjetas no país, mas alguns estados e municípios têm normas próprias. Leonardo Morau indica que isso acontece em São Paulo: “Desde 2018, é obrigatória a assinatura do Termo de Implantação das Gorjetas junto ao sindicado profissional Sinthoresp (Sindicado dos Trabalhadores em Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de São Paulo e Região). Esse órgão representa trabalhadores de hotéis, apart-hotéis, motéis, flats, pensões, hospedarias, pousadas, restaurantes, bares, lanchonetes, sorveterias, confeitarias fast-foods (exceto de São Paulo, capital) e similares do município e região”, diz.
É importante entender que a distribuição das gorjetas varia conforme acordo coletivo ou política interna do estabelecimento e, geralmente, inclui maitres, garçons, gerentes e funcionários da cozinha e da limpeza. “A lei trabalhista exige que elas sejam transparentes e pagas até o 5º dia útil do mês subsequente”, afirma Mendonça. No caso dessa categoria de empregados, a gorjeta deve ser discriminada no holerite e qualquer irregularidade pode gerar consequências como multas e processos para o empregador. Empresas com mais de 60 funcionários podem criar uma comissão de empregados para fiscalizar e acompanhar a distribuição do montante arrecadado.
Vale lembrar que a taxa de serviço – que “vira” gorjeta –, por sua vez, também deve ser cobrada de maneira transparente, de comum acordo com o consumidor. Ou seja, de novo, ele não tem obrigação de pagar, muito embora essa seja uma prática incorporada aos costumes.
O exemplo da gorjeta em bares e restaurantes é o mais comum, mas gratificações por bons serviços também podem acontecer em outros locais, como hotéis, salões de beleza, spas, serviços de transporte (táxis e carros por aplicativo), e de entrega, para profissionais que fazem manutenção (encanadores, pintores, pedreiros…), instaladores, mecânicos e frentistas, entre outros. “Vale para qualquer tipo de serviço e vai depender da vontade de o cliente oferecer um valor extra pelo atendimento satisfatório que recebeu”, conclui Leonardo Morau.
Advogada. Sócia do Lara Martins Advogados. Mestranda em Direito Constitucional Econômico. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Primeira Secretária do IGT – Instituto Goiano de Direito do Trabalho. Diretora da AGATRA – Associação Goiana dos Advogados Trabalhistas. Gestora sênior do núcleo trabalhista de alta e média complexidade com foco em demandas especiais de pessoas físicas. Professora de Graduação e pós Graduação.