A Lei 13.467/2017 – apelidada de “Reforma Trabalhista” (a partir de agora será chamada nesse texto de LRT) entrou em vigor no dia 11/11/2017 sob muitas críticas e, ao mesmo tempo, comemorações. Mas antes de entrar em vigor, a Lei passou 120 dias “aguardando” essa data, um período definido nela própria para que as empresas e trabalhadores pudessem se adaptar ao novo texto legal. Antes mesmo de ser aprovada e por todo esse período de 120 dias, muitos debates no mundo jurídico do trabalho foram feitos e diversos pontos da Lei foram questionados como sendo inapropriados ou, em determinados pontos, até inconstitucional.
Em razão disto – e em um acordo com o Senado da República – o governo editou uma Medida Provisória para “ajustar” os pontos mais polêmicos da Reforma Trabalhista – justamente essa “tal” MP/808. Ocorre que, nos termos da Constituição, o congresso tinha prazo para transformar a Medida Provisória em lei – que se esgotou justamente no dia 23 de abril – e, a partir disso, a MP perde a validade.
A grande pergunta é: o que isso muda, de fato, no dia-a-dia do trabalho? Para a grande maioria dos trabalhadores e empregadores, absolutamente nada! Mas pequenos detalhes merecem atenção.
a) Jornada 12×36
Antes da Reforma Trabalhista a jornada 12×36 exigia negociação coletiva com o sindicato que representasse os trabalhadores, seja por meio de uma Convenção Coletiva de Trabalho (um contrato entre sindicatos) ou um Acordo Coletivo de Trabalho (um contrato coletivo do sindicato de empregados diretamente com uma determinada empresa).
A LRT, por sua vez, determinou que as empresas de quaisquer categorias poderiam estabelecer a jornada 12×36 mediante acordo individual dos empregados, sendo desnecessária a participação do sindicato. A MP/808 passou a prever que essa possibilidade (de acordo individual, sem sindicato) valeria somente para estabelecimentos da área da saúde (como hospitais, clínicas, entre outras). Com a queda da MP/808, volta a valer o que havia sido estabelecido na LRT, ou seja, a regra de que essa jornada pode ser negociada individualmente entre empregado e empregador, independente do setor.
A crítica que se faz é que essa jornada tem caráter excepcional (considerando que a Constituição Federal estabelece limite de jornada de 8 horas por dia) e, por ser uma exceção, seria necessário que os sindicatos analisassem, a cada caso, a conveniência de uma jornada tão longa, a fim de garantir as normas de saúde e segurança do trabalhador. Alguns defendem que o texto da Lei é inconstitucional e a jornada negociada individualmente seria de fato ilegal.
Nossa recomendação é que os empregadores não se apressem à realizar acordos individuais nas jornadas 12×36 e aguardem um maior amadurecimento dos tribunais a respeito deste assunto.
b) Dano moral
A LRT previa que para que o juiz arbitrasse eventual indenização por dano moral ao empregado o valor seria limitado a um determinado número de vezes do salário por ele recebido, o que dependeria da gravidade do dano. A crítica surgiu no sentido de que tal norma seria inconstitucional em razão de tratar diferentemente a moral dos trabalhadores, de acordo com o valor de seu salário. A MP/808 alterou esse dispositivo para prever que essa limitação seria o Regime Geral da Previdência Social e não o salário do trabalhador, além de não haver limitação quando se tratasse de eventual acidente com morte do trabalhador e a forma de tratar a reincidência do dano.
Com a queda da MP/808, a referência volta a ser o salário do empregado que tenha eventualmente sofrido algum dano moral, no caso de morte, inclusive. Essa mudança não altera nada no cotidiano do ambiente de trabalho mas somente em eventuais ações judiciais.
É importante lembrar que combater a ocorrência de qualquer fato ou condição motivadora de eventual indenização por dano moral é sempre a melhor medida em todos os ambientes de trabalho.
c) Trabalho autônomo
A LRT trouxe regras específicas quanto ao Contrato de Trabalho do autônomo. A grande discussão nesse ponto foi porque o texto original possibilitava estabelecer cláusula de exclusividade para esse tipo de contrato. Após diversas críticas, a MP/808 aduziu, entre outros pontos, que a cláusula de exclusividade estava proibida – o que volta a ser permitido após a queda.
O debate acerca da exclusividade abrange um aspecto técnico relevante, pois, embora não seja um conteúdo limitador a respeito do tema, possui efetivo impacto no contrato de trabalho. A grande questão a ser observada no contrato de trabalho do autônomo, portanto, é a existência ou não do mais importante elemento caracterizador de um vínculo de emprego: a subordinação.
A exclusividade nunca foi requisito para se configurar ou não eventual vínculo de emprego, sendo necessário analisar os demais requisitos. O que se busca ao dizer que o autônomo pode ser exclusivo é impedir que sentenças judiciais digam que eventual autônomo tenha direito ao vínculo de emprego apenas em razão deste elemento, sem que tenha sido considerado as outras exigências – o que seria um excesso judiciário, é verdade!
A queda da MP/808 nesse particular não engessa as contratações de autônomos, mas também não significa, de forma alguma, que os empregadores vislumbrem a possibilidade de se utilizarem de mão-de-obra de empregados sem assinar a CTPS usando esse tipo contratual específico.
d) Contrato de trabalho intermitente
Essa é a maior alteração que a MP/808 trouxe para a LRF. Mal pensada e redigida, a previsão legal do Contrato de Trabalho intermitente é insuficiente e deixa muitas dúvidas para sua efetiva utilização. O resultado disto é que essa modalidade contratual tem sido utilizada de forma bastante tímida até o momento.
Independente da queda da MP/808 é urgente que o assunto seja melhor detalhado para trazer segurança jurídica tanto para o empregado quanto para o empregador, de modo que o governo anunciou que estuda a edição de um Decreto para regular o tema.
Nossa recomendação é que as empresas aguardem mais informações a respeito dessa regulamentação antes de efetivamente utilizarem em larga escala referida possibilidade legal, mesmo que supostamente, após a queda da MP/808, não haja mais qualquer impedimento em transformar empregados atuais em trabalhadores intermitentes.
e) Gorjetas
Possivelmente, uma das maiores confusões da LRF com a MP/808. Há quem defenda que, após a queda da MP/808, fica válido o texto que não traz previsão de que as gorjetas pertencem aos empregados.
A recomendação é que empregadores não alterem o regime de gorjetas tradicionalmente utilizado em razão da queda da MP/808, uma vez que mesmo sem a redação expressa corrigida por ela, a jurisprudência do TST já estava bastante evoluída nesse assunto, sendo certo que a gorjeta efetivamente pertence ao empregado.
f) Prêmios
A MP/808 trouxe uma redação tão “inesperada” que aparentava até ter sido incluída por engano. O texto legal trazia um novo requisito para uma verba com conceito tradicional: o prêmio. O texto da MP dizia que o prêmio poderia ser pago apenas duas vezes por ano. Com a queda da validade, volta-se ao conceito tradicional de que essa parcela está muito mais ligada à remuneração da extraordinariedade do trabalho do empregado do que ao fato de ser pago um, duas ou mais vezes por ano.
g) Labor da gestante em local insalubre
Uma das mais polêmicas e impactantes alterações, talvez seja justamente a questão do labor da gestante em local insalubre. A LRT previa que a gestante somente seria afastada do trabalho quando ela estivesse exposta a agentes insalubres de grau mínimo e médio se ela trouxesse atestado médico que indicasse que deveria sofrer o afastamento. A MP/808 alterava essa lógica e estabelecia que ela deveria sempre ser afastada, pois somente poderia trabalhar no local se o atestado médico dissesse ser possível sem que houvesse prejuízo à sua saúde e à do feto.
O que se recomenda é que as empresas tenham muito cuidado com o trabalho de gestantes em locais insalubres e, independente da validade da norma, sempre recomende às trabalhadoras grávidas que busquem médico de sua confiança para lhe atestar a possibilidade ou não de continuar com suas atividades laborais cotidianas no mesmo local de antes de ficar grávida.
Além dessas alterações, outros pequenos detalhes também eram trazidos pela MP/808, mas que não trazem significativo impacto nas relações cotidianas de empregados e empregadores, motivo pelo qual não foram elencados nesse breve texto.
O que se poder concluir é que a queda da “tal” MP/808 não acaba com a Reforma Trabalhista e com as principais alterações por ela trazidas. A negociação coletiva ou individual como possibilidade real nas relações de trabalho e as novas responsabilidades processuais – principalmente por parte do empregado (como pagamento de honorários periciais, sucumbenciais e custas processuais), por exemplo, não sofreram qualquer alteração.
A recomendação final é a de sempre: planejamento e paciência são completamente bem vindos!
Advogado. Sócio nominal. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (gestão 2022/2024).