Por Nycolle Soares
Uma das grandes mudanças nos últimos tempos tem sido o formato de comunicação estabelecido entre as pessoas. No início da civilização, a comunicação escrita acontecia através de cartas endereçadas a uma única pessoa. Com o avançar dos séculos a correspondência entre as pessoas ganhou até mesmo proteção no que diz respeito ao seu conteúdo e isso representa também de um modo específico, a preservação da intimidade, e de modo global, a proteção da imagem e dignidade da pessoa humana.
Diante da evolução dos meios de comunicação, os grupos em aplicativos de mensagens se popularizaram e a comunicação que era individual e específica passou a ser realizada em um meio digital em que várias pessoas podem ter acesso ao conteúdo de forma instantânea e simultânea.
Nessa alteração de cenário nascem novos problemas com uma possibilidade infinita de desdobramentos. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendeu que o administrador de um grupo de WhatsApp pode ser responsabilizado por ofensas emitidas por um dos componentes do grupo para outro integrante, pois não interviu para evitar que as agressões continuassem.
Em casos como esses a avaliação quanto a responsabilidade daquele que é o administrador do grupo passa fazer parte do debate central, sendo que em um momento anterior a responsabilidade recaía apenas sobre aquele que foi o emissor da ofensa, ou seja, quem praticou o ato.
O caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo se fundamenta no artigo 186 do Código Civil, que estabelece punições em casos de danos morais por atos ilícitos “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, diante da omissão do administrador do grupo.
Nesse mesmo condão quanto à omissão que gera dever de indenizar, o STJ se posicionou de modo favorável ao pedido judicial de indenização realizado por uma cadeirante em face do condomínio em que reside porque os porteiros foram impedidos de ajudá-la a entrar no prédio que não possuía acessibilidade. Segundo o STJ o condomínio “violou o princípio da dignidade da pessoa humana, de valor supremo na ordem constitucional vigente, como fundamento da República”.
É interessante observar que em ambos os casos os agentes, em tese, teriam sido o ofensor e os porteiros, mas os responsabilizados foram o administrador do grupo e o condomínio.
O que existe em comum nessas decisões é que o dano foi gerado pela omissão de evitar que uma pessoa tivesse seu direito fundamental enquanto pessoa humana violado, que ocorrera em decorrência da tomada de decisão não dos agentes em si, mas sim daqueles que supostamente teriam condições de evitar e que optaram por se omitir.
As mudanças nas relações humanas impactam diretamente na forma como o ordenamento jurídico avalia as condutas, tanto as ações quanto omissões. Os dois casos mencionados em situações que aparentemente estão muito distantes utilizam o Direito Civil como meio para balizar as condutas humanas e reprimir os atos que possam representar lesão ao direito de um terceiro.
Vivemos um momento em que estão ocorrendo profundas mudanças nas relações humanas, por isso, é necessário que as condutas sejam pautadas muito mais no respeito aos princípios do que na inexistência de normas específicas que prevejam eventual punição, já que a legislação muitas vezes não consegue alcançar as mudanças sociais estruturais, já os princípios trazem consigo a capacidade de nortear de modo equilibrado situações que em décadas atrás jamais pensou-se na possibilidade de ocorrer.
Advogada. Sócia e Gestora Jurídica do Lara Martins Advogados. MBA em Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada a Saúde. Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil. Analista de Finanças pela FGV. Especialista em Ética e Compliance na Saúde pelo Einstein. Presidente do Instituto Goiano de Direito Digital – IGDD/GO