Por Filipe Denki Belém Pacheco.
Com o aumento em nível nacional de pedidos de recuperações judiciais por produtores rurais enquanto pessoas físicas, novas controvérsias tem surgido acerca do tema.
A primeira controvérsia em torno do assunto seria a possibilidade, ou não, do produtor rural que não está inscrito no registro mercantil ou que se registrou há menos de dois anos requerer recuperação judicial. Na primeira hipótese, o produtor rural não possui registro mercantil no momento do requerimento recuperacional, ou seja, trata-se de pessoa física. Já na segunda, o registro existe; contudo, há menos de dois anos.
Coaduno com a corrente jurisprudencial que defende que o produtor rural pessoa física poderá apresentar pedido de recuperação judicial, desde que faça o registro empresarial previamente. Além disso, ele também precisa demonstrar que exerce a atividade empresarial por no mínimo, dois anos, a fim de atender ao requisito previsto no artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial e Falências.
Essa foi a conclusão que fez valer o enunciado nº. 97 da III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal que prevê que: “O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido. ”
Outra controvérsia seria quanto à sujeição dos créditos constituídos antes da inscrição do produtor rural como empresário na Junta Comercial aos efeitos da recuperação judicial.
Alguns defendem que esses créditos, anteriores ao registro não se sujeitariam à recuperação judicial, pois teriam sido negociados com a pessoa física, o que desencadearia em quebra de expectativa quanto ao perfil do devedor, na medida em que não teria assumido o risco de que pudesse ser conferida uma recuperação judicial.
Para minimizar essa discussão foi aprovado o enunciado nº. 96, que indica que: “A recuperação judicial do empresário rural, pessoa natural ou jurídica, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido, inclusive os anteriores à data da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis”.
Já em relação aos bens particulares, pergunto: Os bens particulares do produtor rural após sua inscrição no registro público de empresas mercantis, responderiam pelas obrigações assumidas e dívidas sujeitas à recuperação judicial?
É sabido que quando uma pessoa jurídica é criada, surgem duas massas patrimoniais, sendo uma da sociedade e outra particular de cada um dos sócios que a criaram, o que é chamado de princípio da autonomia patrimonial.
Esse princípio decorre da personalização das sociedades e é um dos elementos fundamentais do direito societário. De acordo com esse princípio, em regra, os sócios não respondem pelas obrigações da sociedade e nem a sociedade responde pelas obrigações pessoais do sócio.
No caso do produtor rural pessoa física, ao solicitar seu registro na Junta Comercial ele se tornará empresário individual ou EIRELI.
O empresário individual nada mais é do que aquele que exerce atividade empresarial em nome próprio. As responsabilidades do empresário individual comum não são limitadas, ou seja, tanto o patrimônio quanto as dívidas, pessoais ou da organização, são os mesmos. Caso o empresário queira a separação jurídica dos bens da empresa deve-se requerer o registro na categoria EIRELI.
Por outro lado, a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI, permite ao empresário individual ter o capital da empresa separado do capital pessoal e tem a vantagem de conferir a limitação da responsabilidade. Para isso é preciso, porém, que o investimento inicial seja em valor equivalente a 100 salários mínimos.
Os bens particulares do produtor rural após sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis respondem por todas obrigações assumidas e pelas dívidas sujeitas à recuperação judicial, ainda que esteja registrado como EIRELI.
Isso porque, caso contrário, poderá o produtor rural utilizar o instituto da recuperação judicial como instrumento de fraude, pois bastaria registrar-se como EIRELI para que seu patrimônio particular não respondesse pelas obrigações assumidas anteriores ao registro e sujeitos à recuperação.
E como já indicado, tem se firmado o entendimento de que a recuperação judicial do empresário rural, pessoa natural ou jurídica, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido, os anteriores à data da inscrição no registro público de empresas mercantis, inclusive.
Assim, é razoável a conclusão de que os bens particulares do produtor rural, ainda que ele se registre como EIRELI antes do pedido de recuperação judicial, componham toda a universalidade de bens para responder pelas obrigações assumidas anteriores ao registro e sujeitos a recuperação.
Filipe Denki – Sócio do Lara Martins Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Especialista em Direito e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Especialista em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera. Formação Executiva em Turnaround Management pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ex-Presidente da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB/GO (triênio 2019/2021). Diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB (triênio 2022/2024). Diretor do Instituto Brasileiro de Direito da Empresa – IBDE. Membro dos institutos de insolvência empresarial TMA, IBAJUD, INSOL e IBR. Professor de Direito da Insolvência na Escola Superior da Advocacia – OAB/GO e na Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Coordenador do Curso de Formação de Administradores Judiciais da ESMEG. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás – CAM/ACIEG e do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Árbitro e Coordenador do Núcleo de Reestruturação e Insolvência Empresarial da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada – CAMES. Membro do Comitê de M&A e Reestruturação de Empresas da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB. Palestrante em diversos eventos e autor de artigos e livros sobre a área de insolvência.