Em artigo publicado pelo Conselho Notarial do Brasil, Aline Avelar, especialista em Direito de Famílias e Sucessões, analisa a proposta de reforma do Código Civil, que busca alinhar a legislação à realidade atual das famílias brasileiras, com foco na autonomia e na prevenção.
O projeto busca alinhar a legislação à realidade atual das famílias brasileiras
O Senado Federal analisa o Projeto de Lei no 4/2025, de autoria do ex-presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que propõe uma reforma ampla do Código Civil brasileiro. As mudanças impactam diretamente áreas sensíveis da vida em sociedade, como o Direito de Família e das Sucessões, além de introduzir diretrizes sobre o uso da inteligência artificial nas relações jurídicas.
Segundo a especialista a reforma do Código Civil propõe mudanças significativas no Direito de Família e Sucessões. Ela destaca que, “ao modernizar institutos jurídicos e incorporar temas contemporâneos, o projeto busca alinhar a legislação à realidade atual das famílias brasileiras”.
Divórcio unilateral extrajudicial em cartório
Um dos pontos de maior repercussão da proposta é a possibilidade do divórcio unilateral extrajudicial em cartório, mesmo sem o consentimento do outro cônjuge. A especialista afirma que a medida desburocratiza o processo de dissolução do casamento e assegura a autonomia individual. “Pelo texto, basta que uma das partes manifeste sua vontade. A outra será notificada e, se não houver filhos menores ou incapazes, o divórcio será registrado em cinco dias”.
Avelar comenta que “a previsão do divórcio unilateral em cartório representa um avanço no respeito à autonomia da vontade, retirando do processo de separação os entraves burocráticos e emocionais impostos à parte que deseja sair de uma união já desgastada”.
Renúncia prévia a direitos sucessórios
Outra inovação importante é a possibilidade de renúncia prévia a direitos sucessórios por meio de pactos antenupciais ou convivenciais com a inclusão de cláusulas de renúncia prévia a direitos sucessórios, como o direito de concorrência na herança. Para a especialista, com a consolidação dessa previsão, pactos poderão ser usados como instrumento de blindagem patrimonial, evitando assim o ingresso do cônjuge/companheiro na sucessão de bens particulares do falecido, ampliando a margem de negociação em famílias recompostas ou em relações patrimoniais complexas.
Na visão da advogada, o Projeto de Reforma do Código Civil parece pender para a corrente favorável, positivando uma prática já aceita por alguns tribunais e por parte da doutrina, especialmente se houver, a manifestação expressa e formal da vontade, o reconhecimento de que a renúncia se refere à concorrência sucessória, e não à legítima dos descendentes e a homologação notarial ou judicial como reforço da segurança jurídica.
“A previsão de renúncia sucessória prévia em pacto antenupcial ou convivencial representa uma ruptura controlada com a tradição sucessória brasileira, refletindo a evolução contratualista do Direito das Famílias e Sucessões. Ainda que não pacificada, essa medida tem respaldo em parcela da doutrina e jurisprudência, especialmente sob a ótica da autonomia privada e do planejamento sucessório moderno”, enfatiza.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a validade de uma cláusula nesse sentido em pacto antenupcial, sinalizando uma tendência que o projeto busca consolidar. “A autonomia privada precisa ser respeitada, principalmente quando exercida de forma consciente e preventiva. A renúncia prévia traz previsibilidade e paz jurídica às famílias”, reforça a advogada.
Inteligência artificial, herança digital e reprodução assistida
A reforma também inova ao regulamentar o uso da inteligência artificial (IA) no contexto jurídico, impondo princípios como transparência, ética, responsabilidade e supervisão humana. Plataformas digitais poderão ser responsabilizadas pelo uso indevido de sistemas automatizados que violem direitos de personalidade ou provoquem danos nas relações contratuais. “Com a crescente presença da IA na vida cotidiana e nos negócios, a regulamentação vem em boa hora, assegurando que a tecnologia opere como ferramenta de apoio, sem subverter direitos fundamentais”, explica.
O PL no 4/2025 também propõe o reconhecimento legal das uniões homoafetivas, equiparando-as às uniões heteroafetivas, a inclusão de bens digitais na herança, como contas em redes sociais e arquivos em nuvem, e a regulamentação da reprodução assistida, permitindo a cessão temporária de útero sem fins lucrativos.
Esses dispositivos refletem a evolução da sociedade e respondem a lacunas legislativas importantes. A proposta encontra-se atualmente em análise nas comissões do Senado e, se aprovada, seguirá para votação na Câmara dos Deputados.

Aline Avelar é advogada, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório. Presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFAM-GO. Secretária-geral da Comissão de Sucessões da OAB Goiás. Diretora Instituto de Estudos Avançados em Direito – IEAD. Membra do IBDFAM, professora, mentora e palestrante.