https://www.conjur.com.br/2022-jun-08/decisao-stj-divide-opinioes-nao-reduzir-judicializacao
Entrevista concedida pela advogada, sócia do Lara Martins Advogados, especialista em Direito Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada a Saúde, Nycolle Soares.
_Leia abaixo na íntegra.
A decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça de definir como taxativo o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que serve como referência mínima para os planos de saúde, além de dividir opiniões, não contribui para resolver o maior problema do setor: a hiperjudicialização.
Especialistas consultados pela ConJur destacaram que, na prática, pouca coisa muda. Ao considerar o rol taxativo, o STJ permite que as operadoras recusem cobertura de procedimentos prescritos por médicos de forma ampla, como já ocorre.
E, ao permitir que a taxatividade seja superada em casos excepcionais, a corte mantém a porta aberta para disputas judiciais tão comuns na pauta dos colegiados de Direito Privado. A tese firmada, inclusive, estabelece critérios que devem ser utilizados pelo julgador para avaliar a excepcionalidade de cada caso.
A advogada Raissa Simenes Martins, do escritório Finocchio & Ustra Advogados, afirmou que, nos moldes em que a tese foi fixada, ela não serve para pacificar o tema, diante da avalanche de processos sobre cobertura de tratamentos não previstos. “Não houve alteração substancial do cenário atual, pois os efeitos econômicos da ausência de previsibilidade jurídica permanecerão impactando consumidores e empresas”.
Dyna Hoffmann, do escritório SGMP+ Advogados, opinou que os pontos de exceções admitidos pelo STJ vão motivar a criação de novas controvérsias. “Dessa forma, fica tudo como está. Os planos continuarão seguindo o rol da ANS e as pessoas que precisam de tratamentos especiais ficam sem cobertura, devendo utilizar o SUS ou rede privada”.
Segundo Luciana Munhoz, do escritório Maia e Munhoz Consultoria e Advocacia, a “novidade” limita a possibilidade de os planos de saúde abarcarem tratamentos que o SUS não conseguiria entregar aos segurados, devido aos seus problemas estruturais. “Certamente, a decisão do STJ pode causar uma pressão muito maior de judicialização no SUS, tendo em vista que a saúde é um direito que tem de ser entregue pelo Estado”.
Já Wilson Sales Belchior, do RMS Advogados, discorda. Ele destacou que um dos principais aspectos do julgamento foi justamente a definição de critérios para interpretação do rol da ANS, o que reduz a chance de usar decisões judiciais para criar normas para um setor amplamente regulado.
“A expectativa é que se reduza a judicialização na saúde suplementar a partir da fixação, pelo STJ, de critérios claros para a interpretação pelo Judiciário dos contratos desse setor”, disse ele.
Presidente da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB-SP, Juliana Hasse afirmou que, a partir de agora, faz-se mais necessário o estudo e o conhecimento da área de saúde privada com a profundidade merecida, tanto pelos advogados que militam no mercado quanto pelo Poder Judiciário.
“Também é importante a participação das instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil, na interface com outras entidades que são partícipes na construção de entendimentos, pois entre as exceções para cobertura de dois procedimentos fora do rol serão levadas em consideração as recomendações de órgãos técnicos de renomes nacionais”.
Segurança e equilíbrio
A posição vencedora no julgamento, praticada até então pela 4ª Turma do STJ e apresentada no voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, defende a taxatividade mitigada do rol da ANS como uma conclusão apta a preservar o equilíbrio financeiro-econômico dos contratos e, de forma geral, todo o sistema de saúde suplementar.
Segundo o ministro, abrir muito a possibilidade de obrigar os planos de saúde a custear todo e qualquer tratamento aumentaria os custos das operadoras, elevaria as mensalidades, causaria prejuízo e evasão em massa e ainda aumentaria a pressão sobre os serviços do SUS.
Para Isabela Pompilio, sócia do escritório Tozzini Freire Advogados, a 2ª Seção encontrou uma saída equilibrada para a questão. “Dessa forma, mantém o equilíbrio econômico e financeiro das operadoras, evitando que os consumidores arquem com aumentos inesperados pela inclusão de novas tecnologias no rol ou, ainda, suportando tratamentos ineficazes. Por outro lado, referida taxatividade deve ser mitigada em situações excepcionais”
Paula Las Heras, sócia-fundadora do escritório LLH Advogados, chamou a atenção para a recente mudança de periodicidade com que a ANS deve atualizar o rol de procedimentos, de dois anos para seis meses. “Não se pode ignorar que o alcance da cobertura influencia diretamente a precificação do seguro saúde, e a flexibilização, como regra geral, dificultaria o acesso dos menos favorecidos à saúde privada em razão do aumento do preço ajustado”.
Outro a aprovar a posição do STJ foi Marcio Vieira Souto Costa, sócio do escritório Sergio Bermudes, que representou a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) na ação. “Ao contrário de alegações divulgadas, na verdade, o rol taxativo garante o acesso a tratamentos seguros, avaliados e reconhecidos por reguladores e órgãos responsáveis pelo atendimento à saúde, a semelhança do que ocorre em todo o mundo”.
De acordo com Guilherme Valdetaro, sócio do escritório Sergio Bermudes, a atualização do rol da ANS trará benefícios aos usuários. “Além da segurança jurídica e da sustentabilidade da saúde suplementar, a taxatividade do rol garante a inclusão de procedimentos de fato eficazes, com base em estudos científicos, para garantir a segurança dos pacientes que utilizam os planos de saúde”.
Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB-SP, entende que a decisão privilegia a sustentabilidade do sistema. “Todavia, ignora que há casos de urgência que não comportarão o tempo para preencher os requisitos estabelecidos para mitigar, e também confunde o papel da Conitec e do Natjus, orgãos do SUS, bem como da comissão de incorporação, ao estabelecer que deverão ser ouvidos para que se mitigue o rol.”
Retrocesso ao consumidor
Para parte dos especialistas ouvidos pela ConJur, os efeitos do julgamento do STJ serão mais sentidos de forma negativa pelo consumidor, especialmente em um momento pós-pandemia. Muitos acreditam que a tese firmada apenas legitima a prática amplamente difundida no mercado de dificultar ao máximo a cobertura em busca de menos gastos.
Para Washington Fonseca, sócio do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados, os planos vão ficar muito mais à vontade e vão ter a legitimidade para negar tratamentos necessários. Ele apontou os elevados lucros das operadoras e classificou o resultado no STJ como lamentável e triste. “Acredito que, com o passar do tempo, essa decisão vai mudar, mas, infelizmente, de maneira imediata ela vai ser aplicada aumentando a judicialização”.
Nycolle Araújo Soares, sócia do Lara Martins Advogados, vê o cenário como amplamente favorável aos planos de saúde. “Para os beneficiários, um verdadeiro retrocesso. Os convênios médicos poderão rejeitar a coberturas dos procedimentos que não estejam elencados no rol. A decisão é passível de recurso ao STF, há a exceção nos casos em que não houver tratamento previsto no rol, mas de todo modo a discussão sobre as coberturas se torna ainda mais difícil para os beneficiários”.
A advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, disse que, a partir da publicação dos votos, beneficiários poderão ter cassados os seus direitos adquiridos inclusive por meio de liminar. “Lamentável a decisão por maioria do STJ”.
Segundo Idalvo Matos, do escritório BMF Advogados Associados, “não existe nenhuma garantia de que, com essa decisão, o valor das mensalidades cairá. Os planos vão ficar desobrigados de custear vários tratamentos e isso é um retrocesso para os pacientes e para os consumidores”.
“Lamentavelmente, hoje, com a chancela do STJ, o rol da ANS se torna um instrumento dos planos de saúde contra a pretensão legítima de cobertura dos consumidores e consumidoras do sistema”, criticou Vitor Boaventura, sócio de Ernesto Tzirulnik Advocacia. Para ele, a decisão é mais um revés para os direitos dos consumidores e consumidoras de planos de saúde no Brasil.
“Mais do que nunca, é necessário discutir mecanismos de controle social da ANS, e de transparência sobre os seus procedimentos de tomada de decisão, como a própria fixação e revisão dos procedimentos do rol, evitando-se assim a captura regulatória da ANS pelos planos de saúde, resguardando-se, minimamente, o legítimo interesse e o direito dos consumidores e consumidoras de planos de saúde de todo o país”, complementou ele.
Fernanda Zucare, especialista em Direito do Consumidor e sócia do escritório Zucare Advogados Associados, vai pelo mesmo caminho. “A decisão é um retrocesso muito grande que impactará a vida de milhares de pessoas que necessitam de medicação e tratamentos para ter uma vida digna. A alegada ‘insegurança jurídica’ dos planos de saúde recairá diretamente no direito à vida e à saúde da população. Além disso, a lista da ANS é precária e não acompanha a evolução da Medicina. Além disso, ainda interfere no ato médico. Por qualquer ângulo, é uma aberração esse julgamento”.
“O cenário é predominantemente favorável aos convênios. Para os beneficiários, é um verdadeiro retrocesso. A decisão é passível de recurso ao STF, há a exceção nos casos em que não houver tratamento previsto no rol, mas de todo modo a discussão sobre as coberturas se torna ainda mais difícil para os beneficiários de planos de saúde”, concordou Nycolle Araújo Soares, MBA em Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada à Saúde e sócia do escritório Lara Martins Advogados.
Advogada. Sócia e Gestora Jurídica do Lara Martins Advogados. MBA em Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada a Saúde. Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil. Analista de Finanças pela FGV. Especialista em Ética e Compliance na Saúde pelo Einstein. Presidente do Instituto Goiano de Direito Digital – IGDD/GO