Uma decisão judicial recente condenou a Volkswagen do Brasil a pagar R$ 165 milhões por dano moral coletivo, em razão da exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. O ilícito ocorreu em Santana do Araguaia, no Pará, entre 1974 e 1986, na Fazenda Vale do Rio Cristalino, período em que a propriedade era conhecida como Fazenda Volkswagen e dedicada à produção agropecuária. Documentos oficiais, depoimentos e relatórios comprovaram a existência de servidão por dívida, violência, vigilância armada e condições degradantes, configurando a prática de trabalho escravo contemporâneo.
Em entrevista à Rádio EBC, Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins Advogados, mestre em Direito e especialista em Direito e Processo do Trabalho, explicou que a decisão representa um marco histórico. Segundo a especialista, “é um excelente dia para muitas informações polêmicas, né? E essa é mais uma dessa decisão, decisão de primeiro grau, que ainda cabe recursos. Porém, que o trabalho escravo atinge direitos fundamentais. E aí, muita gente às vezes até se questiona, mas não existe prescrição. Para alguns direitos fundamentais, não, tá? Porque é algo que ocorreu até 1986, ou seja, quase 40 anos atrás, e ainda assim o processo pôde ser analisado”.
A advogada ressaltou que os crimes ligados ao tráfico humano e ao trabalho escravo são imprescritíveis, já que ferem direitos fundamentais. Além do pagamento da indenização, a decisão obriga a Volkswagen a pedir desculpas públicas, adotar políticas de direitos humanos e permitir auditorias independentes. “Além da questão financeira, da dor financeira, tem toda uma questão de envolvimento na sociedade”, destacou.
Sobre a destinação dos valores, Juliana Mendonça esclareceu que não se trata de uma reparação individual às vítimas, mas de recursos voltados à coletividade. “A destinação dele é para que não ocorra mais, para trabalhar fundos lá do Pará que evitem esse tipo de exploração do ser humano, do seu semelhante”, afirmou.
A especialista ainda explicou como funcionava a prática de servidão na época: “Eles tinham que pagar a alimentação do próprio empregador, que era caríssima. Eles tinham que pagar pelos materiais do trabalho, comprados pelo próprio empregador de forma muito cara. Então, o que eles ganhavam sempre era inferior aos valores que deviam para se alimentar e também para poder trabalhar. Isso é considerado a servidão”. Ela acrescentou que os trabalhadores não tinham acesso a água potável, higiene, saúde ou assistência médica, sendo abandonados mesmo em casos de doenças como a malária.
Questionada sobre a relevância da condenação, Juliana Mendonça destacou que o caso se tornou emblemático não apenas pela gravidade dos fatos, mas também porque a empresa se beneficiava de incentivos públicos. “Esse é um dos maiores casos de condenação do Brasil. E o que mais causou espanto à população é que essa empresa, em específico, utilizava de benefícios do governo. Ela foi financiada pela Sudene e, ao mesmo tempo, se utilizava da mão de obra de trabalhadores da região de forma tão absurda e exploratória”, explicou.
A especialista concluiu que a decisão representa uma reparação histórica, ainda que tardia, diante das condições impostas a centenas de trabalhadores na Amazônia durante o período.

Advogada. Sócia do Lara Martins Advogados. Mestra em Direito Constitucional Econômico. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Diretora do IGT – Instituto Goiano de Direito do Trabalho. Diretora da AGATRA – Associação Goiana dos Advogados Trabalhistas. Gestora sênior do núcleo trabalhista de alta e média complexidade com foco em demandas especiais de pessoas físicas. Professora de Graduação e Pós Graduação.


