O agronegócio brasileiro é um dos principais motores da economia nacional. Estima-se que responda por cerca de um quarto do Produto Interno Bruto e movimente centenas de bilhões de reais anualmente, com peso decisivo nas exportações. Mas o setor é mais do que números: ele é tradição, herança cultural e história de famílias que dedicaram suas vidas à terra. Justamente por carregar esse valor simbólico e econômico, o agro exige não apenas trabalho diário, mas também visão estratégica para o futuro.
Apesar disso, muitos produtores e empresários rurais ainda resistem em enfrentar um tema delicado, mas inevitável: o planejamento sucessório. O desconforto em falar sobre a própria ausência ou em discutir a transferência de poder e patrimônio leva à postergação do assunto, como se fosse possível adiá-lo indefinidamente. A realidade, no entanto, é que a sucessão sempre ocorrerá, com ou sem organização. E quando ela acontece sem preparo, os prejuízos são quase sempre os mesmos: conflitos entre herdeiros, paralisação da gestão, dívidas inesperadas, vendas forçadas de terras produtivas para pagamento de impostos e, não raro, a perda do vínculo da família com a propriedade que levou décadas para ser consolidada.
O ponto central é compreender que planejar a sucessão não se limita a dividir bens. Mais do que herança, trata-se de continuidade. O planejamento sucessório é uma ferramenta jurídica e estratégica que organiza a passagem de comando, define responsabilidades, preserva a governança do negócio e garante que a produção não seja interrompida por disputas internas ou pela burocracia. Ao mesmo tempo, permite que a família se antecipe a desafios tributários que, sem preparo, podem consumir boa parte do patrimônio.
A sucessão organizada responde a perguntas que toda família precisará enfrentar cedo ou tarde: quem vai liderar a gestão do negócio? Como será feita a tomada de decisão? Qual o papel dos demais herdeiros? De que forma se dará a distribuição dos resultados? Essas definições, quando tratadas de forma preventiva, evitam que a empresa rural seja surpreendida por uma ruptura repentina, sem condições de reagir.
O direito oferece um conjunto de instrumentos eficazes para auxiliar nesse processo. A holding familiar, por exemplo, tem se mostrado uma das ferramentas mais eficientes para organizar ativos, concentrar a gestão e simplificar a sucessão, além de permitir ganhos tributários relevantes. Testamentos, pactos sucessórios e acordos de sócios também desempenham papel essencial ao criar regras claras para a partilha, reduzindo a margem de disputas. Já os conselhos de família funcionam como fóruns permanentes de diálogo, fortalecendo a unidade entre os membros e garantindo que as decisões não dependam apenas da intervenção judicial.
A tributação é outro aspecto decisivo. A transmissão de bens por herança ou doação implica o pagamento de ITCMD, cuja alíquota varia de estado para estado, além de outros tributos que podem surgir a depender da forma como a sucessão é conduzida. Quando a estruturação é feita de maneira antecipada, é possível reduzir significativamente esses custos, preservando o patrimônio para a família e evitando que a continuidade do negócio seja comprometida por obrigações fiscais inesperadas. No contexto do agronegócio, em que o valor das terras e das operações costuma ser elevado, a diferença entre planejar ou não planejar pode significar a sobrevivência ou o fim de uma empresa rural.
Mas o planejamento sucessório não se resume a cálculos jurídicos e tributários. Ele envolve, também, a dimensão cultural e emocional das famílias. É natural que fundadores tenham dificuldade em abrir espaço para a nova geração, assim como é comum que herdeiros sintam insegurança diante da responsabilidade de assumir a gestão. Justamente por isso, o processo deve ser construído com sensibilidade, transparência e participação de todos os envolvidos. O objetivo não é apenas preservar patrimônio, mas também fortalecer vínculos e criar condições para que a transição ocorra de forma harmoniosa.
Outro ponto relevante é que não existem modelos universais. Cada família possui sua própria dinâmica, suas expectativas e sua forma de conduzir o negócio. Em alguns casos, a prioridade será manter a propriedade unida.
Em outros, será dividir responsabilidades de forma equilibrada, ou ainda buscar uma profissionalização maior da gestão. O que importa é que a solução seja personalizada, construída sob medida com apoio jurídico, contábil e técnico especializado no setor.
Em síntese, planejar a sucessão no agronegócio é um ato de responsabilidade, estratégia e visão de futuro. Mais do que decidir quem ficará com determinado bem, é garantir que a propriedade permaneça produtiva, que a empresa rural siga competitiva e que o legado de uma vida não se fragmente diante de disputas judiciais ou da pressão tributária. É transformar uma vulnerabilidade em oportunidade, antecipando cenários e construindo bases sólidas para que o esforço de hoje se converta em produtividade amanhã.
O agro não para. E o patrimônio também não pode parar. A sucessão sem estratégia é risco; a sucessão planejada é proteção. A hora de agir é agora, enquanto ainda há tempo de construir uma transição segura. É a forma mais inteligente de respeitar o passado, proteger o presente e garantir que o futuro siga vivo no campo.
Doutor e Mestre em Agronegócio. Especialista em Análise Econômica do Direito e em Direito Processual Civil, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, e de cursos de pós-graduação nas áreas de direito do agronegócio, direito empresarial e direito civil. Advogado especializado em direito do agronegócio


