De janeiro a maio deste ano, o Brasil registrou 37.170 casos de erros médicos que resultaram em danos materiais ou morais, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Atualmente existem mais de 153 mil processos em andamento e, somente em 2024, foram contabilizados 74 mil ações judiciais, representando um aumento de 506% em relação ao período anterior. Esses números, embora alarmantes, precisam ser lidos com cautela. Em entrevista à Rádio Senado, o advogado Gustavo Clemente, especialista em Direito Médico e da Saúde, explicou que parte considerável das notificações corresponde a eventos adversos e não necessariamente a erros médicos.
Segundo o especialista, o cenário está diretamente relacionado ao período pós-pandemia. Durante a crise sanitária houve um represamento de cirurgias, o que resultou em uma explosão de procedimentos realizados em 2023. Esse acúmulo acabou contribuindo para a elevação dos registros e, consequentemente, para o crescimento da judicialização. Ele destaca, no entanto, que é essencial diferenciar o que se configura como erro médico e o que deve ser tratado como evento adverso. Enquanto o primeiro está vinculado a falhas técnicas ou de conduta, o segundo pode decorrer de fatores biológicos imprevisíveis, como uma reação inesperada a um procedimento ou medicamento.
A definição entre uma situação e outra é realizada pelos núcleos de segurança do paciente, que envolvem médicos, enfermeiros, gestores e até profissionais jurídicos na análise dos prontuários. Esses registros hospitalares são considerados a prova mais importante em casos de suspeita. Por isso, a recomendação de Clemente é que pacientes ou familiares que acreditam ter sido vítimas solicitem oficialmente a cópia integral do prontuário, incluindo exames e imagens, e busquem orientação jurídica especializada. Antes de qualquer judicialização, um outro médico deve avaliar a documentação para emitir um parecer técnico preliminar.
Gustavo Clemente destacou ainda que a cultura hospitalar no Brasil mudou a partir da criação da RDC 36 da Anvisa e da atuação da Organização Nacional de Acreditação. Antes, muitos casos eram abafados ou resolvidos internamente, mas a política de notificação trouxe uma nova lógica voltada à transparência e ao aprimoramento da qualidade assistencial. Para ele, o enfrentamento da judicialização crescente depende do fortalecimento dessa cultura de segurança, do investimento em comunicação clara entre médicos e pacientes e do compromisso com a análise responsável de cada ocorrência, garantindo equilíbrio entre a proteção dos pacientes e a segurança jurídica dos profissionais de saúde.
Advogado, sócio do Lara Martins Advogados e responsável pelo Núcleo de Direito da Saúde, Médico e Hospitalar. Graduado em Direito pela PUC Goiás e em Administração pela PUC Campinas. Pós-graduado em Administração Hospitalar (IPEP) e em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) pelo Instituto Legale. Presidente do SINDHOESG – Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás. Conselheiro fiscal da AHPACEG – Associação dos Hospitais Privados do Estado de Goiás.


