Em entrevista à Rádio Metropolitana Mogi das Cruzes, o advogado Gilmar Afonso, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, comentou os reflexos históricos e atuais da Lei nº 8.036/1990, que regulamenta o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
A norma, que recentemente completou 35 anos, consolidou os direitos dos trabalhadores ao estabelecer diretrizes claras sobre o funcionamento do FGTS, fundo criado originalmente em 1966. Segundo o especialista, apesar da finalidade protetiva do instituto, medidas recentes vêm gerando debates sobre seus efeitos a longo prazo, sobretudo a possibilidade de uso recorrente do saldo como fonte de crédito pessoal.
Saque-aniversário e a Medida Provisória nº 1.290/2025
O saque-aniversário é uma modalidade instituída em 2019 que permite ao trabalhador retirar anualmente parte do saldo do FGTS, no mês do seu aniversário. No entanto, ao optar por essa modalidade, o trabalhador perde o direito ao saque integral do saldo em caso de demissão sem justa causa, mantendo apenas o recebimento da multa rescisória de 40%.
Gilmar esclarece que foi editada a Medida Provisória nº 1.290/2025 como forma de mitigar os impactos dessa limitação. A norma autoriza, de maneira excepcional, o saque integral do saldo retido para trabalhadores demitidos sem justa causa entre janeiro de 2020 e 28 de fevereiro de 2025, desde que tenham optado pelo saque-aniversário. Segundo Gilmar Afonso, essa medida visa corrigir uma situação de desinformação que atingiu milhares de trabalhadores que, à época da adesão, não tinham plena consciência das limitações envolvidas.
A Medida Provisória foi prorrogada até 27 de junho de 2025 e, embora ainda dependa de conversão definitiva em lei pelo Congresso Nacional, é considerada uma resposta emergencial importante diante da crise econômica e dos altos índices de inadimplência enfrentados pela população.
Finalidade do FGTS e desafios jurídicos
De acordo com a Lei nº 8.036/1990, o FGTS tem como objetivo proteger o trabalhador demitido sem justa causa, funcionando como uma poupança compulsória equivalente a 8% do salário do empregado, depositada mensalmente pelo empregador em conta vinculada.
A referida lei tem apresentado avanços importantes ao longo de seus 35 anos, como a ampliação das hipóteses de saque em caso de doenças graves, desastres naturais, falecimento do titular da conta ou permanência por três anos fora do regime do FGTS e a possibilidade de utilização dos recursos para a compra da casa própria.
O especialista explica que o uso do FGTS como garantia para empréstimos consignados representa um desvio da finalidade original do fundo, transformando-o em instrumento de crédito, o que pode comprometer sua função protetiva. Como destacou Gilmar Afonso durante a entrevista, “a finalidade do FGTS é proteger o trabalhador em situações emergenciais. Se ele usa esse fundo antecipadamente, pode faltar no momento mais necessário.”
Do ponto de vista do empregador, o especialista destaca que é essencial o cumprimento rigoroso da obrigação de depósito mensal dos 8%. O não cumprimento pode configurar rescisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, o trabalhador pode considerar a empresa como inadimplente e pleitear judicialmente os mesmos direitos de uma demissão sem justa causa, o que gera riscos e custos significativos para o empregador.
Perspectivas futuras e estabilidade do FGTS
Questionado sobre eventuais riscos de mudanças drásticas nas regras do FGTS, o advogado esclarece que o sistema jurídico brasileiro conta com mecanismos sólidos de proteção institucional, como a Constituição Federal, a atuação do Judiciário e o controle exercido pelo Congresso Nacional. Por isso, ele avalia como improvável qualquer iniciativa extrema, como confisco dos recursos.
O especialista também pontua que a instabilidade econômica pode impactar o fundo de maneira indireta, principalmente por meio da inflação e da desvalorização da moeda, o que reduz o poder de compra do saldo acumulado. No entanto, ele lembra que o FGTS conta com atualização monetária e juros, o que garante algum nível de proteção ao trabalhador.
Confira à entrevista na integra:
