Por Rafael Lara Martins e Michelle Lima.
Passado todo o desconforto e susto de um acidente de trabalho, é hora de averiguar os prejuízos sofridos em decorrência do infortúnio. Alguns desses prejuízos são possíveis de serem calculados de forma objetiva, matemática – eles são o que chamamos de prejuízo material. Outros, não são passíveis de se calcular de forma objetiva, são os danos morais. Cada um tem uma forma diferente de cálculo ou arbitramento.
Os danos morais podem ter origens diversas. A dor do momento do acidente, a dor de uma recuperação difícil, a dor de estar limitado – tudo isso forma um prejuízo moral do trabalhador. Mas não é só. O trabalhador também pode se sentir diminuído esteticamente ou até perante a sociedade. Imagine-se um trabalhador que queime seu rosto em um acidente envolvendo uma caldeira, ele ficará com a face deformada e a dor moral é certa, mas “pequenos” prejuízos estéticos também são indenizáveis, como a cicatriz em uma parte aparente do corpo, como as mãos.
Esses prejuízos estéticos, assim como a dor moral, parecem ser incalculáveis, não é mesmo? Talvez essa seja uma das atribuições mais difíceis do Poder Judiciário. Nesse momento, o Magistrado ou o Tribunal utiliza de sua experiência jurídica (com casos semelhantes) e de vida para chegar ao valor dessa indenização por danos morais. Uma das grandes críticas que se faz a esse tema é que os valores podem variar de forma astronômica entre um juízo que arbitrou a condenação e outro. Da mesma forma, as demais dores morais. Quanto vale a perda de uma perna? Qual o valor pela dor moral da perda de um filho? E para o caso de quebrar o dedo mindinho do pé, qual o valor a ser pago? A indenização vai sempre ser muito alta para quem paga e muito baixa para quem recebe. Sempre.
Para isso, com o tempo, a doutrina e a legislação criaram parâmetros de cálculo. Tem-se que a indenização por danos morais deve ser calculada segundo o binômio possibilidade-necessidade. A indenização deve levar em consideração a condição econômica dos envolvidos e a gravidade do ocorrido. De nada adianta uma indenização de mil reais para um grande grupo econômico – como um banco – pagar em decorrência de um acidente de trabalho, ainda que simples. Por outro lado, uma condenação de um milhão de reais para uma pequena sorveteria de um único funcionário também não tem razoabilidade alguma, pois nem a sorveteria inteira pagaria essa dívida.
Nesse cenário de incertezas, a reforma trabalhista tentou trazer parâmetros para o arbitramento das indenizações. Peço licença para transcrever exatamente o texto da lei para que se possa ter uma compreensão melhor do tema:
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I – a natureza do bem jurídico tutelado;
II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III – a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII – o grau de dolo ou culpa;
VIII – a ocorrência de retratação espontânea;
IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X – o perdão, tácito ou expresso;
XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII – o grau de publicidade da ofensa.
Como se percebe, são vários os critérios a serem levados em consideração pelo juízo. Para cada caso, exige-se uma análise diferente. Alguns juízes são mais detalhistas – e utilizam todos os elementos para análise e outros utilizam-se mais de experiências e simplesmente arbitram o valor com consideração mental dos requisitos em questão. De toda forma, o valor a ser arbitrado ainda poderia variar muito dentro dessas premissas.
A Reforma Trabalhista trouxe, então, parâmetros mínimo e máximo para a fixação do valor da indenização. Seriam elas, segundo os incisos do parágrafo primeiro do artigo supracitado:
I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
Essa “tarifação” de valores de indenização tem gerado muita polêmica e tem sido alvo de debates morais, sociais e jurídicos. Em resumo, diz-se que não se pode diferenciar o valor de acordo com o salário do empregado.
O que essa pré determinação de valores mínimos e máximos de indenização representa? Na prática, criar-se-á “castas” de empregados, que terão o seu sofrimento “precificado” de acordo com o salário que recebem. Não se pode, contudo, calcular o valor da indenização de alguém com base em seu salário, pois seria o mesmo que dizer que a honra de um pedreiro vale menos que a de um engenheiro civil ou que a família de um motorista (como no exemplo de Brumadinho) devem receber uma indenização menor pela perda de seu ente querido, que a família de um gerente que pereceu no mesmo acidente.
Existe uma grande possibilidade de que artigo 223-G da CLT seja declarado inconstitucional tendo em vista que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5780) questionando tal dispositivo. A ADI tem relatoria do Ministro Gilmar Mendes e a Procuradoria Geral da República já opinou pela inconstitucionalidade. Além disso, existe precedente no STF no qual declarou-se a inconstitucionalidade da previsão “tarifação” de dano moral contida na Lei 5.250/67 (Lei de imprensa) e que possui fundamentos similares.
A previsão de limitação de mínimo e máximo indenizatório, porém, está em vigor e pode ser observada pelo juiz mesmo sem que haja a obrigatoriedade de atendimento desses patamares, porquanto o valor do dano será arbitrado pelo juiz levando em conta as particularidades e a gravidade de cada caso.
O prejuízo material abrange toda e qualquer perda patrimonial decorrente de um acidente. As mais comuns são as despesas com medicamentos, cirurgias, próteses e até mesmo o deslocamento para fazer sessões de fisioterapia, por exemplo. Em caso de falecimento de um trabalhador, esse prejuízo abrange as despesas com funeral, inclusive. Não são, porém, somente esses os prejuízos (danos materiais) que um trabalhador pode ter. Há prejuízos bem maiores.
Quando o trabalhador perde sua capacidade laboral – de forma completa ou parcial – essa redução em sua capacidade pode ser calculada como prejuízo material. Nesse prejuízo é normalmente calculado o valor da “pensão” decorrente do acidente de trabalho. Mas vem a pergunta: como calcular essa perda?
Geralmente, o valor do pensionamento é calculado levando-se em conta a perda da capacidade laboral do empregado, o valor do salário que recebia e a expectativa média de vida do brasileiro prevista na data do óbito que, de acordo com o IBGE é de 76 anos (em 2018).
Existem maneiras diversas de se chegar ao valor da redução da capacidade laboral, sendo que a maior parte das apurações é feita por meio de perícia médica, porém, é comum a consulta à tabela da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP (link disponível em: https://www.susep.gov.br/menuatendimento/seguro_pessoas_consumidor) que prevê os percentuais para cada perda.
Segundo essa lista, há diferença nos percentuais para a invalidez total e parcial. Na hipótese de invalidez total, configurada pela perda total dos membros superiores, inferiores, de ambas as mãos, visão de ambos os olhos, entre outros, estabelece-se 100% (cem por cento) da cobertura.
Já nos casos em que a invalidez é de caráter parcial, os percentuais ficam entre 50% (cinquenta por cento) e 3% (três por cento), sendo o percentual mínimo para a ocorrência de amputação de um dedo e 50% para a perda do uso de um dos membros, por exemplo.
Assim, exemplificando, se um empregado recebia salário de R$ 2.000,00 (dois mil reais), acidenta-se com 35 anos e sofre dano corporal consistente na perda anatômica de um membro inferior (50% de acordo com a tabela da SUSEP) deverá receber indenização no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) mensais pelo período de 46 anos, fazendo jus a um montante de R$ 492.000,00 (quatrocentos e noventa e dois mil reais).
Dito isso, conclui-se que o valor das indenizações em sua maioria dependerá das particularidades do caso concreto.
Obrigado por acompanhar essas quatro lições, esperamos que tenha acrescentado, até breve.
Advogado. Sócio nominal. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (gestão 2022/2024).