Por Rafael Lara Martins.
Em Novembro de 2017 quando foi aprovada a Reforma Trabalhista, um dos eixos principais de modificação se deu nas relações sindicais (com bastante polêmica, é verdade). De toda forma, a pergunta é: o que mudou? A grande mudança é o que se chama de “negociado sobre o legislado”. Mas o que isso significa juridicamente e no dia a dia empresarial? Esse é o grande ponto de reflexão.
Sob o viés estritamente jurídico, diferente do que muitos empregados e empregadores pensam, “negociado sobre legislado” não significa que se pode estabelecer um ajuste diferente do que a lei prevê em qualquer condição. Mas por quê? Por um motivo simples: o direito do trabalho brasileiro conceitualmente intervém nas relações trabalhistas, balizando limites daquilo que o empregador pode ajustar com o empregado.
E para tanto, a CLT estabeleceu, de forma expressa, nos artigos 611-A e 611-B o que pode e o que não pode ser negociado, exatamente em razão dessas limitações. E lá no 611-B traz expressamente as seguintes limitações:
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos;
I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV – salário mínimo;
V – valor nominal do décimo terceiro salário;
VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII – salário-família;
IX – repouso semanal remunerado;
X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI – número de dias de férias devidas ao empregado;
XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX – aposentadoria;
XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;
XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.
A lista é longa, mas a reflexão não é tanto o que está escrito nela, mas o que não está. Em tese, tudo aquilo que não foi limitado é passível de negociação coletiva. E melhor, é a grande solução para a segurança jurídica pleiteada nas relações trabalhistas.
Diariamente indaga-se sobre estratégias para novas formas de remuneração, benefícios aos empregados, jornadas especiais dentre outros. Geralmente a resposta é que pode ser feita, mas com Acordo Coletivo de Trabalho.
Pegue-se como exemplo um sistema de pagamento de premiação, em que diferentes setores da empresa receberão prêmios semestrais em dinheiro, com diferentes critérios entre os setores, somando-se metas coletivas e individuais. A empresa pode fazer isso internamente? Pode sim, sem problema – inclusive como campanha para que não seja algo permanente ou que tenha a aquisição permanente àquela premiação. Mas à medida que submete a questão à coletividade dos trabalhadores por meio do sindicato e se dialoga a respeito do programa, chegando a um Acordo Coletivo de Trabalho, a segurança jurídica do instrumento aumenta exponencialmente. E assim são muitos os exemplos.
Na pandemia, por exemplo, a cada novo lockdown as empresas se veem sem saída e buscam alternativas para tentar preservar empregos. Diversas medidas, como a redução do aviso de férias ou a antecipação de feriados têm sido feitas pelas empresas por necessidade.
Até defendo que isso possa ser flexibilizado (o que somente a jurisprudência vai poder confirmar essa exceção no futuro), mas tomar essas medidas por meio de um Acordo Coletivo de Trabalho é de fato a melhor opção para, mais uma vez, trazer segurança jurídica.
É tempo de as empresas superarem essa resistência histórica em relação aos sindicatos e compreenderem que se aproximar deles é a medida mais inteligente do ponto de vista de gestão corporativa nesses novos tempos. É claro que dificuldades serão encontradas, alguns sindicatos ainda não se adaptaram para essa nova realidade, mas aos poucos uma nova história vem sendo escrita.
A sobrevivência jurídica e até econômica dos sindicatos passa por esse diálogo aberto e a construção de um caminho favorável para o empregado e para o empregador em suas futuras relações.
Advogado. Sócio nominal. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (gestão 2022/2024).